Para o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) é claro: enquanto não houver uma acusação formal contra Manuel Chang em Moçambique, o ex-ministro das Finanças deve ser julgado nos EUA, onde é acusado de fraude e corrupção.
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O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) considera que, sem que haja uma acusação formal em Moçambique contra o ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, "não há garantias" de um julgamento justo e transparente.
A organização foi convidada recentemente pela Justiça sul-africana, na qualidade de interessada em defender uma posição no caso Chang, a reagir ao recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana ao Tribunal Constitucional da África do Sul, que pediu a extradição do ex-governante para Moçambique.
Denise Namburete, responsável do FMO, diz que a posição da organização "é a mesma de quando respondeu durante a audiência no Tribunal Superior: Moçambique precisa de ter uma acusação formal […] nos mesmos moldes em que existe a acusação contra os outros arguidos que estão encarcerados."
Extradição para EUA, onde há acusação
O Fórum, que congrega cerca de 20 ONG, também entende que o Tribunal Superior da África do Sul é a instância correta para tomar a decisão sobre a extradição do ex-ministro das Finanças de Moçambique, em vez do Tribunal Constitucional, como solicita a PGR moçambicana.
Denise Namburete esclarece os objetivos do FMO neste processo: "O FMO não diz, nem sugere para onde deve ser feita a extradição. Apenas sugere que a lei da extradição seja seguida na tomada de decisão sobre para onde ele deve ser extraditado. E, segundo a lei, deve ser para a jurisdição onde existe uma acusação."
Ou seja, para os Estados Unidos da América, onde, para além de Manuel Chang, outros dois moçambicanos são acusados de terem cometido crimes financeiros: António do Rosário, antigo alto funcionário da secreta moçambicana, e Teófilo Nhangumele, homem de negócios.
Chang só pode ser extraditado "com garantias" de julgamento
"Interesse" na morosidade do processo
Mas a procissão ainda vai no adro. A 11 de dezembro, o Tribunal Superior da África do Sul apreciará o pedido de autorização de Moçambique para recorrer da sentença que ordena o Governo sul-africano a decidir sobre a extradição de Chang. E, segundo o especialista em direito internacional Andre Thomashausen, depois de ser conhecida a decisão do Tribunal Superior, Moçambique poderá também recorrer, desta vez ao Supremo.
Por isso, Thomashausen não conta para já com uma decisão do ministro da Justiça, Ronald Lamola, sobre a extradição de Chang: "Temos ainda litígios pendentes e, enquanto isso estiver assim, é pouco provável que o ministro tome alguma decisão", afirma em entrevista à DW África.
Embora a lei permita que o ministro da Justiça possa pronunciar-se agora, convém, para o bom decurso do caso, que os tribunais esgotem primeiro todos os meios do processo, acrescenta Thomashausen. O especialista em direito internacional suspeita que haja "interesse" de Moçambique em manter o caso Chang "em banho-maria".
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)