A norte-americana Wendy Spaulding analisou transferências bancárias ilegais de centenas de milhões de dólares no território dos EUA relativas a empresas moçambicanas, arguidos e conspiradores.
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A segunda testemunha no julgamento de Nova Iorque sobre as dívidas ocultas de Moçambique disse nesta sexta-feira (25.10) ter analisado transferências bancárias ilegais de centenas de milhões de dólares no território dos Estados Unidos relativas a empresas moçambicanas, arguidos e conspiradores.
A contabilista norte-americana Wendy Spaulding foi paga pelo Governo federal dos EUA para conduzir um estudo independente de dezenas de documentos - desde 'e-mails', registos de contas bancárias, mensagens 'swift' e registos dos bancos Bank of New York Mellon (BNY Mellon) e JP Morgan.
Os documentos analisados foram transformados em provas para serem expostos em julgamento pelos procuradores. Todas as transações demonstradas pelos procuradores passaram pelos Estados Unidos da América e envolveram cerca de 10 instituições bancárias e múltiplas contas para despistar os números.
Empresas
Segundo a contabilista, centenas de milhões de dólares passaram entre a Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), Mozambique Asset Management (MAM) e Proindicus, Credit Suisse, Privinvest, a subsidiária Abu Dhabi MAR, Palomar, Andrew Pearse, Jean Boustani, Surjan Singh e António do Rosário. Este dirigia a Ematum, Proindicus e MAM, e trabalhava para o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) de Moçambique.
A empresa Palomar foi fundada por Andrew Pearse (ex-banqueiro do Credit Suisse), Iskandar Safa (proprietário da Privinvest) e o seu irmão, Akram Safa. A Palomar fornecia serviços financeiros e de consultoria ao Ministério das Finanças de Moçambique e recebeu 3,8 milhões de dólares (cerca de 3,4 milhões de euros) neste esquema, declarou Pearse.
O beneficiário final das transações era, muitas vezes, a empresa Privinvest, responsável por fornecer embarcações e materiais de vigilância costeira em Moçambique, por contratos com a Ematum, MAM e Proindicus.
A Privinvest era empregadora de Jean Boustani, principal arguido no julgamento que decorre nos EUA, acusado de fraude monetária, fraude de investimentos de valores mobiliários e suborno a autoridades.
Transferências
Explica-me as dívidas ocultas de Moçambique
As transferências de e para a empresa Privinvest foram de um total de 1,047 mil milhões de dólares, segundo a Justiça dos EUA. A contabilista acrescentou que mais de 103 milhões de dólares foram transmitidos para a Privinvest com os "detalhes de pagamento" a referir Proindicus.
Os bancos que processaram as transações foram Bank of New York Mellon (BNY Mellon), JP Morgan, VTB Capital, Credit Suisse AG, Credit Suisse International, First Gulf Bank (FGB), Bank of America, Deutsche Bank, entre outros, de acordo com as provas apresentas em tribunal.
Entre maio e junho de 2014, a empresa MAM enviou um total de quase 500 milhões de dólares para a empresa Privinvest. Os valores eram enviados do banco VTB Capital para o Deutsche Bank de Nova Iorque, esclareceu a contabilista.
A análise feita por Wendy Spaulding mostra que António do Rosário, antigo diretor nacional de inteligência económica, nos Serviços de Informação e Segurança do Estado de Moçambique (SISE), recebeu 1,175 milhões de dólares para uma conta denominada "Walid Construções Lda.".
O processo das dívidas ocultas de Moçambique refere-se a um esquema de corrupção em que três empresas detidas pelo Estado moçambicano - Ematum, Proindicus e MAM - assumiram créditos e empréstimos no valor de mais de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) sem revelar ao Governo, investidores internacionais ou entidades financeiras como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)