"Dívidas ocultas": Resolução no Reino Unido ou na Suíça?
Lusa
25 de janeiro de 2023
Supremo britânico começou a analisar argumentos sobre se caso das "dívidas ocultas" de Moçambique deve ser resolvido no Reino Unido ou por arbitragem na Suíça. Em causa está suspensão de processos contra a Privinvest.
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique, que representa o Estado no processo para tentar anular parte das dívidas, recorreu para a mais alta instância judicial no país contra uma decisão desfavorável do Tribunal de Recurso no ano passado.
Naquela decisão, o coletivo de juízes decidiu por unanimidade que, ao contrário das garantias soberanas dadas para contrair os empréstimos aos bancos Credit Suisse e VTB, que são reguladas pela lei britânica, os contratos com empresas do grupo naval Privinvest estão sujeitos a arbitragem na Suíça.
Esta questão é potencialmente importante porque, caso se confirme, os procedimentos judiciais no Reino Unido contra a Privinvest, que é acusada de corrupção de funcionários públicos e políticos moçambicanos, podem ser suspensos.
Dívidas ocultas: O crime compensa?
22:37
Mesmo assim, o advogado que representa Moçambique, Nathan Pillow, reconheceu que a decisão do Tribunal Supremo (equivalente ao Tribunal Constitucional) ainda vai depender do julgamento no Tribunal Comercial de Londres sobre o mesmo caso, previsto para começar em outubro.
"De certa forma, a questão que vossas excelências [os juízes] vão decidir poderá potencialmente tornar-se académica se se verificar que a República nunca fez parte dos contratos de arbitragem", explicou.
O advogado da Privinvest, Duncan Matthews, também concordou que o impacto da decisão do Supremo "é relativamente limitado porque, de um ponto de vista prático, o meu cliente terá que abordar todas as alegações (...) no outono".
O Tribunal Supremo do Reino Unido agendou dois dias de audiências, hoje e quarta-feira, devendo a sentença só ser conhecida dentro de alguns meses.
Julgamento principal a 3 de outubro
Entretanto, o Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior de Londres, tem programado para começar em 3 de outubro o julgamento principal sobre a validade das dívidas.
Dívidas ocultas: "O maior condenado é o povo moçambicano"
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Na origem está uma ação judicial contra o Credit Suisse e a Prinvinvest iniciada pela PGR em nome da República de Moçambique para tentar cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares (2.600 milhões de euros) de dívida contraída junto de bancos internacionais, entre 2013 e 2014 por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), liderado então pelo Presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de "Dívidas Ocultas".
Entretanto, o banco russo VTB também lançou uma ação judicial no mesmo tribunal para recuperar as prestações que Moçambique deixou de pagar por um dos empréstimos.
No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como Guebuza, o antigo ministro das Finanças Manuel Chang e o atual chefe de Estado Filipe Nyusi.
Num processo judicial relativo ao mesmo caso que foi concluído em dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.
Os três visados são Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, e dois ex-dirigentes dos serviços secretos, Gregório Leão e António Carlos do Rosário (ex-diretor-geral e antigo líder da 'inteligência' económica, respetivamente), que receberam uma pena de 12 anos de prisão cada um.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.