Dívidas ocultas: Tribunal britânico recusa anulação do caso
Lusa
3 de julho de 2023
O Tribunal Comercial de Londres recusou hoje anular o caso das dívidas ocultas de Moçambique em curso na justiça britânica, mantendo para 3 de outubro o início do julgamento.
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Numa decisão publicada hoje, o juiz Robin Knowles decidiu que "não é justo, proporcional ou necessário anular as alegações ou pedidos da República, ou impedi-la de defender-se, nesta fase".
O juiz decidiu assim indeferir um requerimento do banco Credit Suisse para anular o julgamento sobre as dívidas ocultas de Moçambique devido ao incumprimento na divulgação de provas documentais por parte do Governo moçambicano.
Porém, referiu que "no julgamento, todas as alternativas, incluindo a de anular total ou parcialmente [o caso], continuam disponíveis".
"As críticas à divulgação [de documentos] da República, quer as críticas individuais, quer a questão do efeito global sobre a confiança na sua divulgação, podem ser altamente materiais em julgamento. Uma resposta calibrada será possível de uma forma que não é possível agora", vincou o magistrado.
Knowles não considera existir agora um "risco substancial de um julgamento injusto", mas admite que "terá de se precaver com especial vigilância contra injustiças no julgamento".
O magistrado admitiu que a ausência de documentos oficiais moçambicanos poderá ser prejudicial para os argumentos da PGR de Moçambique.
Knowles avisou que durante o julgamento "pode ter de concluir que as falhas na divulgação pela República ou no cumprimento pela República dos seus deveres de divulgação têm consequências adversas substantivas para o caso da República".
Dívidas ocultas: O crime compensa?
22:37
Queixas da defesa do Credit Suisse
Os advogados do Credit Suisse queixaram-se da demora e falta de transparência do processo e da inabilidade em obter documentos oficiais, em particular do Gabinete do Presidente da República e do Servic¸o de Informac¸a~o e Seguranc¸a do Estado (SISE).
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De acordo com o Tribunal, os advogados britânicos que representam a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique, juntamente com o procurador-geral adjunto, Vasco Matusse, reuniram-se com o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, e obtiveram autorização para buscas adicionais.
Após pesquisas no Gabinete do Presidente, Gabinetes dos Conselheiros do Presidente, Secretariado-Geral e Gabinete do Chefe de Gabinete, foram identificados 20 documentos.
Da parte do SISE, as buscas dificultadas pelo segredo de Estado, tendo apenas sido feitas internamente. A resposta foi que "não havia documentos ou [que] os documentos estavam noutro local", e o SISE admitiu que "era e continua a ser raro as pessoas que trabalham na instituição utilizarem contas de correio eletrónico institucionais", refere hoje o Tribunal britânico.
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Julgamento a 3 de outubro
O Tribunal Comercial de Londres tem agendado para 3 de outubro o início do julgamento da ação judicial apresentada pela PGR de Moçambique em 2019 para tentar anular uma dívida de 622 milhões de dólares da empresa estatal ProIndicus ao banco Credit Suisse, alegando que resultou de corrupção.
O empréstimo foi avalizado secretamente pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) quando Armando Guebuza ainda era chefe de Estado, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
O financiamento destinava-se à aquisição de barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima. O caso, descoberto em 2016 e que ficou conhecido por "dívidas ocultas", envolve contratos e empréstimos de cerca de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros) com os bancos Credit Suisse e VTB entre 2013 e 2014 em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.