Ex-ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang está preso, sem julgamento, na África do Sul, há dois anos. Antigo governante continua a aguardar extradição por alegado envolvimento no caso das dívidas ocultas.
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Foi em clima de festas de fim de ano que os moçambicanos foram arrebatados com a notícia da detenção do antigo ministro das Finanças Manuel Chang, na África do Sul. A partir desse dia, 29 de dezembro de 2018, a população de Moçambique passou a assistir a uma novela da vida real que elevou o escrutínio do Ministério Público (MP) no âmbito do caso das dívidas ocultas que lesou o Estado moçambicano em mais de 2 mil milhões de euros.
Quando Manuel Chang foi detido, nasceu a esperança dos moçambicanos relativamente a um julgamento e responsabilização pelos crimes cometidos no caso da dívidas ocultas. O ex-ministro das Finanças de Moçambique era considerado um dos mentores do maior esquema de corrupção em Moçambique, que conduziu o país a uma crise económica e financeira sem precedentes.
Dois anos depois, Manuel Chang permanece detido e a sua versão sobre o crime é ainda desconhecida.
"A demora na decisão tem efeitos para o andamento do processo em duas jurisdições onde há processos judiciais a correr, Moçambique e Estados Unidos. Se Manuel Chang tivesse sido extraditado para os Estados Unidos certamente já teria sido julgado, da mesma forma que Jean Boustani foi julgado porque já estava sob custódia americana", explica o jurista e ativista Borges Nhamire.
"Se tivesse sido extraditado para Moçambique, certamente que não teria sido julgado, porque nem há data de julgamento para os outros [envolvidos] do mesmo processo", acrescenta.
"É importante explicar que Chang está num processo autonómo exatamente porque não foi extraditado para Moçambique. Temos um processo principal com 20 réus, dos quais 19 estão detidos preventivamente, e temos um processo autonómo com 10 réus, sendo um deles Manuel Chang", refere ainda o jurista.
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Interferência política?
Enquanto em Moçambique o processo está numa fase letárgica, na África do Sul a decisão sobre para onde deve ser extraditado o cidadão moçambicano tarda em chegar.
A detenção de Chang aconteceu no âmbito de um acordo de extradição entre a África do Sul e os Estados Unidos, mas as relações históricas com o vizinho Moçambique colocam Pretória de mãos atadas.
O especialista em direito internacional Andre Thomashausen desconfia de interferência política no caso e foca-se em questões de base para explicar a demora na decisão de extraditar Chang.
"O que está a atrasar é o pedido de Moçambique feito sem boa fé, feito unicamente para atrasar a extradição para os EUA, que tem prioridade, visto que o pedido foi feito antes do pedido da parte de Moçambique, incompleto e sem o devido fundamento", sublinha.
"Moçambique usou as boas relações com o partido no poder na África do Sul [o Congresso Nacional Africano, ANC], que fez tudo por tudo para ver se Moçambique podia remediar o pedido de extradição e conseguir um acordo com os Estados Unidos", comenta.
Julgamento nos EUA impulsionou ações judiciais
O julgamento do caso das dívidas ocultas nos Estados Unidos foi determinante para as ações em curso na Suíça, Reino Unido e até em Moçambique, onde o MP se viu obrigado a agir. Por isso, o testemunho do ex-ministro continua a ser bastante aguardado.
"Em Londres e em Genebra, o testemunho do senhor Chang poderia ser muito útil e talvez até essencial, porque ele é a pessoa chave que orientou o banco que concedeu o crédito não para o Banco Nacional de Moçambique, mas para uma conta sediada nos Emirados Árabes Unidos, onde as pistas do dinheiro se perderam", afirma Andre Thomashausen.
A extradição de Manuel Chang representaria uma terceira e talvez última fase para os processos do caso das dívidas ocultas.
Chang foi ministro das Finanças durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2015, e avalizou dívidas contraídas a favor da EMATUM, da Proindicus e da MAM, sem o conhecimento do Parlamento.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)