Depois de Filipe Nyusi ter sido notificado no âmbito de um processo ligado às dívidas ocultas em Londres, o Fórum de Monitoria do Orçamento diz que o Presidente de Moçambique deve esclarecimentos aos moçambicanos.
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O Presidente de Moçambique foi notificado, a 19 de outubro, pela empresa naval Privinvest, depois de uma autorização do Tribunal Superior de Londres, onde decorre um processo relativo às dívidas ocultas. A Privinvest, acusada de subornar vários altos funcionários do Estado agora em julgamento, reivindica também ter pago a Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, inclusive a sua campanha presidencial de 2014.
Entretanto, em Moçambique, onde decorre um julgamento do caso, o tribunal faz ouvidos de mercador às sucessivas menções dos réus a participação do Presidente da República no calote. Falámos com Paula Monjane, do Fórum de Monitória do Orçamento (FMO), que espera que o chefe de Estado moçambicano se mostre disponível para clarificar a verdade.
DW África: O que esperar depois da notificação de Nyusi?
Paula Monjane (PM): Recebemos recentemente a informação de vários órgãos de comunicação de que o Presidente Filipe Nyusi foi notificado pelos advogados da Privinvest, após autorização do tribunal de Londres. Como moçambicanos e moçambicanas e como membros do FMO, esperamos que o Presidente compareça para esclarecimento da verdade. Penso que ele deve isso aos moçambicanos.
Neste processo de Londres, mas também noutros processos em várias jurisdições, esperamos também que a informação dos recentes desenvolvimentos relacionados com o incumprimento e falhas nos regulamentos e processos internos do banco Credit Suisse e do VTB e o relacionado reconhecimento pelas autoridades reguladoras norte-americanas e do Reino Unido possam informar estes processos e este, em particular, e esperamos assim que o tribunal de arbitragem moste seriedade no caso.
Estaremos atentos, como moçambicanos, porque, no fim do dia, estamos convencidos de que os moçambicanos não devem pagar este calote.
DW África: O julgamento em Moçambique só teve início depois de a justiça norte-americana ter tomado a dianteira. Acredita que depois da notificação de Londres, a justiça moçambicana vai seguir os mesmos passos?
PM: Os vários processos em curso nas várias jurisdições, como no Reino Unido, EUA, Suíça, estão de alguma forma interligados. Esperamos que os mesmos produzam informação relevante que possa não só trazer a verdade ao mundo, mas também aos moçambicanos. Acima de tudo, que possam também clarificar e inspirar o processo em Moçambique.
Notamos com preocupação que vários nomes vêm sendo arrolados nestes casos, fora de Moçambique. Falo de vários nomes de moçambicanos que terão recebido de forma ilícita dinheiro relacionado com os empréstimos da EMATUM, da MAM e da ProIndicus.
O sistema de administração da justiça tem aqui a oportunidade de reganhar a confiança dos moçambicanos, mostrando imparcialidade na investigação e criminalização dos envolvidos neste calote. Esperamos que este processo seja justo e que todos os envolvidos sejam culpabilizados.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.