Ao quinto dia da leitura da sentença, o juiz deu como provado que o réu António Carlos do Rosário assinou pedidos de empréstimos, garantidos pelo Estado, sem o aval do Tribunal Administrativo.
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O juiz Efigénio Baptista, que julga o caso das dívidas ocultas, disse esta segunda-feira (05.12) que o réu António Carlos do Rosário negociou, executou e assinou os contratos de fornecimento e empréstimos das empresas EMATUM, a MAM e ProIndicus.
As empresas receberam empréstimos dos bancos Credit Suisse e VTB, da Rússia, com garantias do Estado. O presidente do conselho de administração de todas elas era António Carlos do Rosário, que foi também diretor da Inteligência Económica dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).
Segundo as explicações do juiz, tal ação devia ter sido fiscalizada pelo Tribunal Administrativo, com o parecer legal da Procuradoria-Geral da República. "No entanto, conforme resulta da matéria dada como provada, o réu António Carlos do Rosário, em nenhum momento cumpriu, nem procurou cumprir as disposições legais em causa, pautando por violá-las sistematica e deliberadamente".
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Carlos do Rosário "não fez o seu trabalho"
No quinto dia da leitura da sentença, com mais de 1300 páginas, o juiz lembrou que o réu António Carlos do Rosário alegou, durante a audição, que todos os contratos de financiamento "foram visados" pelo Tribunal Administrativo. Mas isso "não corresponde à realidade dos factos corrigidos nos autos".
"Com efeito", exemplificou o juiz, "o contrato de financiamento junto aos autos relativo ao contrato da ProIndicus com o Credit Suisse não foi submetido ao Tribunal Administrativo para efeitos de visto prévio."
O analista Wilker Dias apela a uma responsabilização exemplar dos réus envolvidos no esquema das "dívidas ocultas", sobretudo de António Carlos do Rosário, tido como peça-chave neste "calote".
"Porque não fez o seu trabalho ao nível do controlo, e isso teve as consequências que teve", acrescenta.
Em relação a Gregório Leão, antigo diretor-geral do SISE, o juiz disse esta segunda-feira que não tem dúvidas de que ele fazia parte do grupo que delapidou o Estado em mais de 2,2 mil milhões de dólares.
Para o analista Wilker Dias, o juiz Efigénio Baptista está a trazer a lume factos concretos, que se adequam ao que foi ouvido durante a audição dos réus.
"Ainda estamos na fase da leitura da sentença, vamos ver o que vai acontecer, mas acredito que ainda há espaço para que os próprios advogados [de defesa] possam dar a volta e interpor recurso, com base naquilo que está a ser falado pelo juiz", afirma Dias.
Ao longo do julgamento, os réus negaram as acusações de que são alvo, afirmando sempre que faltavam provas. A leitura da sentença prossegue nesta terça-feira (06.12) e deverá terminar com as condenações, no dia seguinte.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.