O posicionamento de Efigénio Baptista no caso das dívidas ocultas tem sido criticado em Moçambique. Analista reconhece "alguns excessos", mas que não põem em causa a conduta do juiz que não quis ouvir Nyusi em tribunal.
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Em Moçambique, o Tribunal Superior de Recurso negou o requerimento de alguns advogados de defesa no caso das "dívidas ocultas", que pedia o afastamento do juiz Efigénio Baptista no julgamento sobre arresto de bens dos 19 arguidos.
Os advogados - afastados por Baptista do julgamento do caso - defendem que o juiz de primeira instância não devia pronunciar-se sobre o requerimento do Ministério Público, enquanto estiver pendente um pedido de afastamento do magistrado, que está a ser analisado pelo Tribunal Supremo.
Em entrevista à DW África, Dércio Alfazema, do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), analisa o posicionamento de Efigénio Baptista ao longo do processo. Reconhece que tem havido "alguns excessos" que, ainda assim, não colocam em causa a conduta do juiz.
Entrevista com o politólogo Dércio Alfazema
DW África: Como encara a decisão do Tribunal Superior de Recurso de indeferir o requerimento dos advogados e manter o juiz Efigénio Baptista?
Dércio Alfazema (DA): É uma posição sensata. É preciso ver quais foram os argumentos trazidos pelos advogados e também a forma como o tribunal sustentou a sua posição, mas é, quanto a mim, sensata, no sentido em que uma decisão contrária poderia, hipoteticamente, ter implicações no próprio julgamento. Com um pedido destes, numa altura em que as audições já estavam praticamente terminadas, era preciso também perceber o que isso significaria para o calendário do próprio julgamento. Por outro lado, é compreensível a posição dos advogados. Eu olho isso dentro de uma estratégia de defesa que teve outros contornos, e eles, em função disso, foram se reposicionar.
Mas este juiz já conhece o processo de uma ponta a outra e chegar a essa altura e trocá-lo, é preciso perceber o que isso poderia significar.
DW África: Os advogados afastados alegam que o juiz da causa não tem sido imparcial na condução do julgamento. Concorda com esse posicionamento?
DA: Bom, esse é um caso bastante complexo, com diferentes nuances em termos também da natureza dos próprios intervenientes, tanto os advogados como os arguidos que estão a ser julgados. Este é um caso que tem um interesse mediático muito grande, tem implicações económicas, políticas e até sociais. Então, seria muito estranho se o curso desse julgamento fosse tão consensual, tão sereno. É um caso que mexeu com a sociedade e o próprio julgamento também está a mexer com a sociedade.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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É normal que um ou outro ator não se sinta satisfeito com alguma situação e é normal que, dada a complexidade do caso, o juiz também cometa alguns excessos, dentro de um determinado contexto. Não vejo isso como algo para questionarmos a idoneidade do juiz e do tribunal ou até questionarmos o julgamento. Não houve nada de tão estranho assim que pode desqualificar tudo o que aconteceu até aqui.
Agora, a nossa expetativa maior é em relação à sentença, que tem que ser justa, e isso não significa que as pessoas devem ser condenadas a todo o custo. Têm de ser condenadas à medida da sua responsabilidade. Não é porque o caso tem uma dimensão política que todos devem ser condenados.
DW África: A escolha de Efigénio Baptista para este caso foi encarada com algum ceticismo e, desde o princípio, não reuniu consenso. Ao longo do processo foi apelidado de "tirano". Já na reta final do julgamento, como classifica a conduta do juiz?
DA: Esse é um caso que tem uma dimensão política muito forte, olhando para a natureza dos atores e os valores envolvidos, e também para a estratégia de ataque e desgaste de parte a parte. Nós, como sociedade, tínhamos uma expetativa muito grande em relação à própria Ordem dos Advogados, que seria talvez um ponto de equilíbrio, mas [o julgamento] acabou sendo desgastante até para a própria Ordem dos Advogados. Houve excessos de parte a parte.
O Ministério Público é que me pareceu ser um dos atores que esteve mais sereno em termos do exercício do seu papel. Houve excessos [do juiz] que me pareceram ser mais do jeito da personalidade e do ambiente de tensão que o próprio julgamento foi tendo. A natureza do caso conduziu a essas situações todas. Mas, de forma objetiva, ainda não vejo matéria para questionar a idoneidade do juiz pela forma como as coisas aconteceram.
DW África: O facto de o juiz ter negado por diversas vezes – e em definitivo em fevereiro – ouvir o Presidente da República, Filipe Nyusi, em tribunal no caso das dívidas ocultas, belisca de alguma forma a idoneidade de Efigénio Baptista?
DA: Eu penso que o juiz poderia explorar um pouco mais a lei e encontrar possibilidades de como é que isso poderia acontecer. Tudo bem, é complexo, não é fácil ter que chamar ao tribunal um Presidente que está em exercício, e isso não é uma questão só de Moçambique. Eu penso que, para qualquer juiz pelo mundo fora, seria sempre um desafio, ainda mais para este que é um jovem.
Mas eu penso que, a bem da transparência, havendo possibilidades, poderia muito bem ter sugerido a audição do Presidente da República. Mas isto não é algo que se trate de ânimo leve. De facto, ainda fica essa questão que vai sempre ficar como um pendente no julgamento.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.