Dívidas ocultas: Justiça dos EUA denuncia vistos falsos
Lusa
29 de outubro de 2019
O filho do ex-Presidente Armando Guebuza e outros dois moçambicanos obtiveram vistos falsos dos Emirados Árabes Unidos em 2013, segundo procuradores norte-americanos que investigam as dívidas ocultas de Moçambique.
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Procuradores norte-americanos divulgaram documentos sobre as dívidas ocultas de Moçambique segundo os quais três moçambicanos obtiveram vistos de trabalho falsificados dos Emirados Árabes Unidos em 2013.
Os três suspeitos, Armando Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, Teófilo Nhangumele e Bruno Tandade Langa, estão em prisão preventiva a aguardar julgamento em Moçambique, desde fevereiro. Nhangumele enfrenta ainda acusações nos Estados Unidos.
Os procuradores expuseram, na sessão do julgamento na segunda-feira (28.10), em Nova Iorque, correios eletrónicos trocados entre 2013 e 2017 entre vários suspeitos de crimes de fraude, branqueamento de capitais e subornos.
Em destaque está uma mensagem enviada, em janeiro de 2013, por Jean Boustani, principal arguido do caso nos Estados Unidos, com desejos de "Feliz Ano Novo" e anexos de três vistos de trabalho dos Emirados Árabes Unidos digitalizados.
Guebuza, Nhangumele e Langa receberam os vistos e foram todos registados como funcionários da empresa Logistics International, uma subsidiária da empresa Privinvest, que tinha contratos com empresas moçambicanas e garantias do Governo de Moçambique para projetos de pesca e vigilância costeira.
Facilidades do visto
De acordo com a acusação dos EUA, os vistos de trabalho facilitaram a criação de contas bancárias nos Emirados Árabes Unidos, onde os três suspeitos podiam guardar milhares de dólares pagos pelo seu papel num esquema de enriquecimento ilícito, alegadamente montado por Jean Boustani, negociador da empresa Privinvest.
As digitalizações dos vistos, exibidos pelos procuradores como provas incriminatórias, indicavam que Nhangumele tinha a profissão de "mecânico de motor a gasolina", Ndambi Guebuza era "mecânico de máquina hidráulica" e Langa era "mecânico de motor a diesel", todos para a empresa Logistics International, de Abu Dhabi, subsidiária da empresa Privinvest.
Teófilo Nhangumele terá sido quem apresentou ao Governo um projeto de vigilância costeira, incluído no pacote das 'dívidas ocultas', num valor de 2,2 mil milhões de dólares (1,9 mil milhões de euros). Para os procuradores norte-americanos, Nhangumele agiu em nome do gabinete do Presidente de Moçambique, à data Armando Guebuza (2005-2015).
Os procuradores norte-americanos consideraram ainda Ndambi Guebuza e Tandade Langa como cúmplices, mas não enfrentam processos legais nos EUA. Em contrapartida, o banqueiro Andrew Pearse, que já se declarou culpado de participar no esquema, afirmou no depoimento, prestado na semana passada, em Nova Iorque, que Ndambi Guebuza terá recebido cerca de 50 milhões de dólares (45,1 milhões de dólares) pela participação no esquema.
Esquema
O esquema de corrupção terá sido criado com autoridades moçambicanas, como o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, que se encontra detido na África do Sul e enfrenta pedidos de extradição para Moçambique e para os Estados Unidos.
Manuel Chang terá autorizado os empréstimos ilegais às empresas sem anunciar ao Governo ou ao Presidente de Moçambique, na altura Armando Guebuza.
António do Rosário, do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) e administrador-delegado das três empresas públicas no centro do escândalo, Ematum, Proindicus e MAM, também está detido em Moçambique e acusado também nos Estados Unidos pela sua implicação no caso.
O principal arguido do processo nos EUA é Jean Boustani, vendedor de embarcações da empresa Privinvest.
O processo das dívidas ocultas de Moçambique refere-se a um esquema de corrupção em que aquelas três empresas, detidas pelo Estado moçambicano, assumiram créditos e empréstimos no valor de mais de 2,2 mil milhões de dólares, sem conhecimento do Governo, investidores internacionais ou entidades financeiras como o Fundo Monetário Internacional.
O caso está a ser investigado e julgado pela Justiça dos Estados Unidos porque, segundo o Governo federal norte-americano, os pagamentos de subornos de centenas de milhões de dólares passaram por bancos norte-americanos.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)