Dívidas ocultas: Governo quer reestruturar dívidas ilegais
Leonel Matias (Maputo)
28 de agosto de 2019
Fórum de Monitoria da Sociedade Civil considera decisão do Governo moçambicano de arriscada, por se tratar de uma posição política e uma violação da lei. O Fórum volta a defender o não pagamento da dívida por ser ilegal.
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Em Moçambique, o Fórum de Monitoria da Sociedade Civil considera arriscada a decisão do Governo de optar por uma posição política para resolver o diferendo em torno da dívida contraída pela empresa EMATUM com garantias do Estado, por violação da lei.
O Governo convidou esta terça-feira(27.08), mais detentores da dívida da EMATUM a aceitarem a proposta de reestruturação do empréstimo que foi acordada em maio com 60% dos credores.
O Governo quer chegar a acordo com 75% dos detentores da dívida da EMATUM até setembro. Num comunicado divulgado na página eletrónica do Ministério da Economia e Finanças estabelece a data de seis de setembro para os obrigacionistas manifestarem o seu consentimento.
Nulidade declarada pelo CC
A negociação com os credores acontece mesmo depois do Conselho Constitucional (CC) moçambicano ter declarado nula a garantia concedida pelo Estado ao empréstimo da EMATUM, por ter violado a Constituição da República, e outra legislação nacional.
Para o Coordenador do Fórum de Monitoria do Orçamento, Jorge Matine, em entrevista a DW África, era de esperar que após a decisão daquele órgão, o Governo viesse invocar novas circunstâncias, para fazer passar a sua intenção.
"Temos que cumprir a lei, fazer cumprir o acórdão do Conselho Constitucional, garantir que a decisão do CC seja implementada de forma vigorosa”, entende Matine para quem "este era o posicionamento que nós esperávamos como sociedade civil, não esta nova posição do governo continuar com as negociações”.
Matine observa que o Governo ao tomar uma decisão de reestruturar a dívida demonstra que "não tem nenhum interesse em respeitar a decisão dos outros órgãos de soberania”.
Em Moçambique, as deliberações do Conselho Constitucional são de cumprimento obrigatório por todas as instituições e não são passíveis de recurso.
Busca pela confiança externaO Governo argumenta que a renegociação em curso visa resgatar a confiança dos credores e e assumir as suas responsabilidades segundo o direito internacional de um negócio com partes externas.
Este é um argumento que não convence o Fórum de Monitoria da Sociedade Civil, porque parte do princípio de que é necessário descredibilizar as instituições nacionais para poder tornar a posição do executivo forte, segundo Jorge Matine.
"Penso que é arriscada esta posição do Governo de torná-la política”, analisa Matine alertando que "enfraquece as instituições internas e fortalece a posição política que eles têm, mas a longo prazo não penso que seja uma posição que poderá manter-se por muito mais tempo”.
Jorge Matine disse que o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) mantém a posição de que a dívida da EMATUM, não deve ser renegociada pelo Governo nem paga pelos moçambicanos por ser ilegal e inconstitucional.Até hoje os tais credores de boa fé nunca foram apresentados e não há uma clareza com que critérios se fizeram as opções das empresas de consultoria que estão a apoiar o Governo nesta negociação e quem está a pagar isso, afirmou Jorge Matine. E acrescentou "já há desde o principio uma questão de transparência”.
Dívidas ocultas: Governo quer reestruturar dívidas ilegais
Discutir soluções ...
"É preciso que o Governo encontre mecanismos de unir a sociedade, trazer gente que pense diferente sobre este assunto e podermos discutir quais são as soluções e qual seria o impacto dessas soluções quer no erário publico quer também na forma como Moçambique deve posicionar-se no mundo”, indicou.
O Fórum de Monitoria do Orçamento está a realizar contactos com movimentos da sociedade civil que monitoram a questão das dívidas dos países em vias de desenvolvimento para colher informações que possam apoiar nas suas posições nos vários processos em curso em tribunais na África do Sul, Suíça e em Londres.
Por outro lado, aguarda resposta do Conselho Constitucional a uma petição sobre os empréstimos contraídos, com garantias do Estado, mas sem o conhecimento do Parlamento, pelas empresas Proindicus e Mozambique Asset Manangement.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)