Tribunal arrola ex-Presidente no processo como uma das pessoas que podem "ajudar a esclarecer" o caso e chumba pedido da Privinvest para não ser julgada pela justiça britânica. Empresário Iskandar Safa vira réu.
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O juiz da Seção Comercial do Tribunal Superior de Justiça em Londres, Justice Waksman, rejeitou a solicitação da Privinvest para que a empresa não respondesse sobre o caso das dívidas ocultas na justiça britânica. Além de indeferir as apelações da empresa, a justiça britânica arrolou o ex-Presidente Armando Guebuza para ter esclarecimentos sobre a fraude.
A próxima audiência sobre o escândalo das dívidas Ocultas na justiça britânica está marcada para janeiro de 2021. Segundo informação veiculada pelo Centro de Integridade Pública (CIP), Armando Guebuza, seu filho Armando Ndambi Guebuza e o ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, serão chamados para apresentar as suas versões sobre os fatos.
O Estado moçambicano moveu uma queixa na justiça britânica contra a Privinvet e dez de suas subsidiárias envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.
Em novembro de 2019, o principal arguido dos Estados Unidos no caso, Jean Boustani, afirmou que Armando Guebuza pediu à Privinvest apoio para a segurança em Moçambique, atração de investidores internacionais, aumento de investimentos no país e apoio à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A empresa com sedes no Líbano e nos Emirados Árabes Unidos era a fornecedora para um projeto de proteção da zona exclusiva económica de Moçambique. O pedido teria sido feito durante uma reunião em 2013 no Palácio da Presidência, em Maputo, indicou Boustani. Documentos da acusação dos Estados Unidos registam o pagamento de 10 milhões de dólares (nove milhões de euros) de uma subsidiária da empresa Privinvest à FRELIMO.
Os argumentos da Privinvest
A construtora naval havia entrado com um recurso, questionando a competência da justiça inglesa para julgar a matéria. Por um lado, a Privinvest alegou que o caso é tratado pela arbitragem Suíça e, por outro, que o nome da empresa estava mal escrito na queixa, sendo assim denunciada uma "entidade inexistente".
Moçambique alega que houve fraude em todo o processo de endividamento do Estado para alegados projetos de pesca e proteção costeira. As dívidas ocultas estão relacionadas com empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) contraídos em 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimento Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo moçambicano da altura, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo. Em Moçambique 20 arguidos respondem pelo processo relativo às dívidas ocultas, 19 dos quais se encontram detidos e um está em liberdade provisória.
Num processo autónomo, são arguidas 10 pessoas, entre as quais seis moçambicanos, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, detido na África do Sul à espera de uma decisão sobre pedidos de extradição das autoridades moçambicanas e norte-americanas, e quatro estrangeiros.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)