Guebuza terá pedido apoio da Privinvest para FRELIMO
Lusa
20 de novembro de 2019
Jean Boustani, principal arguido nos Estados Unidos no caso das dívidas ocultas de Moçambique, afirmou em tribunal que o ex-Presidente Armando Guebuza pediu apoio da Privinvest para a FRELIMO.
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No depoimento desta terça-feira (19.11), Jean Boustani, acusado pelos procuradores norte-americanos, afirmou que Armando Guebuza pediu à empresa de construção naval Privinvest apoio para a segurança em Moçambique, atração de investidores internacionais, aumento de investimentos no país e apoio à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A Privinvest, com sedes no Líbano e nos Emirados Árabes Unidos, era a fornecedora para um projeto de proteção da zona exclusiva económica (ZEE) de Moçambique. O pedido terá sido feito durante uma reunião, em 2013, no Palácio da Presidência, em Maputo, indicou Boustani.
Documentos da acusação dos Estados Unidos, apresentados em tribunal há um mês, registam o pagamento de dez milhões de dólares (nove milhões de euros) de uma subsidiária da empresa Privinvest à Frelimo em quatro tranches, em 2014.
Quatro faturas de transferências em 31 de março, 29 de maio, 19 de junho e 3 de julho de 2014 num total de dez milhões de dólares foram enviados pela empresa Logistics International de Abu Dhabi, subsidiária da empresa Privinvest, com destino à conta detida pelo Comité Central da FRELIMO no Banco Internacional de Moçambique.
Reuniões
Em tribunal, o negociador da Privinvest disse na terça-feira em tribunal que, em janeiro de 2013, teve duas reuniões privadas com Armando Guebuza para falar sobre o "empenho no projeto ZEE" e a "falta de resposta moçambicana". Boustani indicou ter viajado para Maputo para encontrar Guebuza e discutir o projeto de proteção da ZEE, porque de Moçambique "não havia sinais, esperança, novidades".
No primeiro encontro, Armando Guebuza sublinhou "a visão que tinha para o projeto e a satisfação em realizá-lo, por uma razão estratégica para a segurança de Moçambique", disse Boustani, questionado pelo advogado de defesa.
"No dia seguinte, fui ao Palácio da Presidência com Armando Júnior, seu filho", lembrou o arguido, acrescentando que o segundo encontro com o chefe de Estado foi "mais curto e direto".
Pedidos
Na segunda reunião, Jean Boustani disse que "Armando Guebuza pediu quatro coisas" à Privinvest, nomeadamente, estabilidade e segurança no país, e mais investidores estrangeiros em Moçambique, devido ao êxito do projeto.
"Tragam mais investidores para todos os setores económicos e não só de recursos naturais, mas também para o turismo, indústria e produção 'made in Mozambique'", disse Boustani, citando o ex-Presidente moçambicano.
"Número três", enumerou o arguido em tribunal, o Presidente disse querer "ver mais investimentos" da empresa no país, sem atuarem "como qualquer antigo empreiteiro que vem a África, vende e sai". Boustani explicou que mais tarde Guebuza fez mais um pedido: "quero que apoiem também a FRELIMO", terá dito, de acordo com o arguido.
O ex-Presidente terá dito que "a ZEE era o projeto mais importante fora dos setores do gás e petróleo" e que, sendo um trabalho de "muita sensibilidade", tinham que ser os "parceiros certos".
Recentemente, foi apresentado no tribunal de Brooklyn, nos Estados Unidos, mensagens trocadas entre o ex-Presidente e Jean Boustani.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)