Fórum de Monitoria do Orçamento considera que ilibação de Jean Boustani nos EUA não fragiliza processo das dívidas ocultas. Segundo a organização, a PGR moçambicana deve perseguir a verdade até às últimas consequências.
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Fátima Mimbire, coordenadora do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), diz que era "expectável" o desfecho do julgamento nos Estados Unidos da América contra Jean Boustani, que foi ilibado na segunda-feira (02.12) dos crimes de conspiração para cometer fraude de transferências, fraude de valores mobiliários e lavagem de dinheiro, no âmbito de um processo sobre as dívidas ocultas.
Em entrevista à DW África, Mimbire afirma que a expetativa dos moçambicanos "nunca foi de que a Justiça norte-americana resolveria este problema", mas trazer à luz do dia elementos sobre o caso. E considera que a ilibação de Boustani deve agora servir de "força motriz" para continuar a investigação sobre as dívidas ocultas em Moçambique.
A responsável sublinha ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana já devia ter feito algo neste processo, como por exemplo "ouvir o antigo Presidente, Armando Guebuza".
Ilibação de Boustani deve servir de "força motriz"
DW África: Quem na sua opinião é culpado nessa burla?
Fátima Mimbire (FM): A questão do culpado... é culpado onde? O ponto é que a estratégia usada por Jean Boustani e os seus advogados era mais no sentido de dizer que foram enganados por instituições de um país representado por aqueles indivíduos, com quem eles interagiram e negociaram diretamente - contrariamente a alguma ideia que se esteja a vender de que o facto de Jean Boustani ter sido ilibado pelas autoridades norte-americanas fragiliza todo o processo, inclusive o processo em Moçambique. Eu penso que não. Pelo contrário, numa situação de um país sério, esta ilibação de Jean Boustani serviria mais de força motriz para se perseguir a verdade e ir até às últimas circunstâncias para a responsabilização dos atores nacionais que estiveram envolvidos.
Penso que ficou claro que a esperança que os moçambicanos depositaram na Justiça norte-americana nunca foi no sentido de que os americanos deviam resolver o problema da dívida de Moçambique, mas poderiam ajudar a trazer elementos para que os moçambicanos pudessem compreender o processo sobre o qual toda esta dívida oculta tivesse sido arquitetada.
DW África: Acha que a PGR devia fazer alguma coisa neste processo?
FM: Já devia ter começado a fazer alguma coisa. E uma dessas coisas é chamar o antigo Presidente da República [Armando Gueuza] para o ouvir e pedir os extratos bancários dele... Devia ter feito o mesmo em relação ao atual Presidente da República [Filipe Nyusi] e nem devia esperar que os americanos dessem as suas informações.
DW África: É possível a PGR fazer o mesmo que os norte-americanos fizeram, ou seja, julgar Jean Boustani?
FM: O que é possível a PGR fazer, até porque há confirmação de crimes de suborno às autoridades nacionais, é justamente o que a Justiça norte-americana fez: acionar a Interpol e emitir um mandado de busca contra o senhor Jean Boustani e todos os outros que prejudicaram o país.
DW África: Jean Boustani foi ilibado e como fica o caso Chang?
FM: Eu penso que a situação fica complicada mas, na nossa perspetiva, Chang pode não ter a mesma sorte de Jean Boustani, pelo facto de Manuel Chang ter sido a pessoa que assinou as garantias, que eram falsas, porque não seguiram os processos formais, legais, necessários.
DW África: Nesta ilibação, quem fica a fazer a festa?
FM: Se calhar quem faz a festa é a Privinvest [e o seu proprietário] Iskandar Safa, que já emitiram inclusivamente um comunicado relativamente a esta ilibação. Mas, em Moçambique, não há razões para fazer a festa.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)