Dívidas ocultas: "Imagem negativa de Moçambique vai passar"
Lusa | tms
16 de junho de 2019
A imagem negativa de Moçambique, após o escândalo das dívidas ocultas, vai passar. É o que diz o representante do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) no país, que alertou que é preciso manter reformas.
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"A imagem negativa vai passar, mas depende do país continuar no caminho que foi começado há dois anos, o progresso é significativo e é claro que há uma vontade do país em reintegrar-se no sistema financeiro internacional, e estão a fazer a abordagem certa", disse este domingo (16.06) Pietro Toigo, representante do BAD em Moçambique.
Em entrevista à agência de notícias Lusa em Malabo, à margem dos Encontros Anuais do BAD, que decorreram até sexta-feira, o italiano escolhido pelo banco para Moçambique acrescentou que "a confiança é uma moeda preciosa e talvez o país precise de um pouco mais de tempo para voltar desse episódio, mas o trabalho nos últimos dois anos já está a ter resultados".
Pietro Toigo exemplificou com os mais de mil milhões de dólares recolhidos durante a Conferência de Doadores, na Beira, e com o empréstimo do Fundo Monetário Internacional no seguimento dos ciclones que assolaram o país nos últimos meses.
"Reformas têm de continuar"
"As reformas económicas têm de continuar a ser feitas", disse, apontando para os bons exemplos da redução dos subsídios, da reforma orçamental, que tornou o exercício orçamental "mais eficaz", e com as mudanças feitas nas empresas públicas, nas instituições e no novo quadro de contração de dívida pública.
"É preciso seguir nesse caminho de eficiência fiscal e reformas estruturais, e seria importante olhar para o ambiente de negócios", apontou o representante do BAD em Moçambique, exemplificando com as "diferenças significativas" entre os custos de utilização de portos diferentes no país, que deviam ser harmonizados e alinhados pela eficiência.
"O ambiente de negócios afeta especialmente as pequenas e médias empresas", lembrou, notando que os megaprojetos ligados ao gás não estão tão dependentes do ambiente de negócios do país devido à grande escala dos financiamentos e dos próprios projetos.
Na entrevista à Lusa, Pietro Toigo defendeu que Moçambique é um dos países do sul de África que mais tem a ganhar com a integração regional, o tema principal da conferência do BAD, e considerou que o país tem "uma voz dinâmica e forte" na Comunidade de Países da África Austral (SADC).
Seguro para catástrofes
Entretanto, Pietro Toigo adiantou à Lusa que o BAD está a preparar um seguro contra as catástrofes naturais para ajudar Moçambique a lidar com fenómenos como as cheias e os ciclones, desembolsando ajuda mais depressa e contabilizando melhor os danos.
"Estamos a preparar, juntamente com outros parceiros com o Banco Mundial, uma infraestrutura financeira para melhor gestão dos desastres naturais e estudar a possibilidade de um seguro climático que pode ser ligado ao fundo de gestão de calamidades e ver que tipo de sistema podemos usar para a identificação das vítimas na altura do reembolso pelos danos", disse Toigo em entrevista à Lusa.
"O chefe de Estado [Filipe Nyusi] está muito interessado, foi ele mesmo que começou a conversa neste sentido", apontou o representante do BAD em Moçambique, explicando que a ideia é utilizar a Capacidade de Risco Africana (African Risk Capacity - CRA), uma agência pública que funciona no âmbito da União Africana que serve como seguradora para mais de 30 Estados africanos.
Segundo o responsável, "a ideia é que quanto mais países aderirem, mais barato se torna; já existe um seguro bastante avançado contra as secas", estando agora a ser desenvolvido um seguro para cheias e ciclone.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)