Muitas surpresas é o que se espera do julgamento do caso dos crimes financeiros associados às dívidas ocultas moçambicanas, advinha especialista em direito internacional. EUA querem fazer arresto dos bens de Nhangumele.
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Para o processo que corre em Moçambique, o julgamento que começa nos Estados Unidos da América (EUA) na terça-feira, 15 de outubro (estava inicialmente previsto para 7 de outubro, mas foi adiado), pode trazer mais provas. E nos EUA já há sinais de reviravolta: é que Jean Boustani, tido como um dos principais mentores do crime, contesta a competência do tribunal americano em julgá-lo entre outras coisas.
Neste processo que corre nos EUA são acusados os moçambicanos Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, Carlos do Rosário, um ex-alto quadro da secreta moçambicana, e Teófilo Nhangumele, que agia em nome do Gabinete do Presidente da República.
Início do julgamento das “dívidas ocultas” em Nova Iorque
No Processo que decorre em Moçambique, onde pra além dos três nomes estão envolvidas cerca de 17 outras pessoas.
Teófilo Nhangumele em situação grave
O arranque do julgamento nos EUA vai ter um impacto muito grande, entende o especialista em direito internacional Andre Thomashausen: "Claro que o que vier a ser julgado nos EUA, embora seja um pronunciamento de um tribunal norte-americano, sempre terá algum efeito porque vai conter documentação e provas que vão servir como material de prova em Moçambique, em Londres e outras jurisdições e na África do Sul, no caso do Manuel Chang."
Mas o especialista em direito internacional alerta que "no caso do senhor Teófilo Nhangumele a situação é bastante grave, porque parece que o tribunal já tomou uma decisão preliminar nos fins de setembro para organizar um confisco dos seus bens, no montante daquilo que é acusado de ter pago como subornos, 8,5 milhões de dólares."
O primeiro em tribunal norte-americano
Mas na estreia do julgamento não estarão ainda no banco dos réus os suspeitos moçambicanos. Jean Boustani, o negociador da Privinvest, tido como um dos principais mentores da arquitetura criminosa, e o primeiro detido pelas autoridades americanas, é quem deverá ser ouvido primeiro.
Thomashausen diz que "para o acusado Boustani é bastante sério porque ele tentou por vários meios adiar ou anular este processo, pediu para que a acusação não fosse autorizada, na base de que as provas teriam sido obtidas por meios que os advogados de Boustani consideram ilegais e tentou desacreditar a acusação."
De uma delação premiada para o confronto com a acusação?
Inicialmente, aquando da sua detenção pelas autoridades norte-americanas, o negociador libanês ofereceu-se para uma delação premiada: solicitou a redução das medidas de coação em troca de cooperação.
A que se deu a reviravolta do Jean Boustani? "Parece que essa cooperação com a acusação acabou mal porque agora está a defender-se com todos os possíveis argumentos, está a contestar a competência do tribunal americano de o julgar e parece que está a negar que teria pago subornos e participado em corrupção na base de uma argumentação que considero fraca e falsa", começa por responder o especialista.
Para Thomashausen, "parece que Boustani fez uma escolha, passar uns anos preso nos EUA do que revelar os promenores desta grande burla. E não colaborando na descoberta do que se passou, Boustani deve ter agido na base do medo do que poderia acontecer mesmo que preso se revelssase todos os pormenores desta conspiração."
Estatuto de outros envolvidos mantém-se ou não?
Os indícios de suborno, lavagem de dinheiro e fraude levaram ainda a justiça norte-americana a processar outros intervenientes, do Credit Suisse, na sua sede em Londres. São eles os antigos trabalhadores Detelina Subeva, Andrew Pearse e Surjan Singh.
Mas o especialista em direito internacional diz que há agora dúvidas sobre o seu estatuto no processo: "Como testemunhas ou acusado temos um bocandinho de falta de informação, não sabemos agora se o senhor Pierce é agora é testemunha ou vai ser apresentado pela acusação ou se vai a semelhança do sr Boustani recusar-se a colaborar com a acusação. Vai haver muitas surpresas."
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)