Dívidas ocultas: Jean Boustani é inocentado nos EUA
Lusa
2 de dezembro de 2019
Jean Boustani, em julgamento nos Estados Unidos por negócios ligados às dívidas ocultas de Moçambique, foi considerado inocente pelo júri norte-americano em decisão unânime.
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O cidadão libanês Jean Boustani, em julgamento nos Estados Unidos por negócios ligados às dívidas ocultas de Moçambique, foi considerado inocente pelo júri norte-americano, num tribunal federal de Nova Iorque, esta segunda-feira (02.12).
Jean Boustani, negociador da empresa Privinvest, era acusado pela Procuradoria federal dos Estados Unidos de conspirações para cometer fraude de transferências, fraude de valores mobiliários e lavagem de dinheiro.
O juiz William Kuntz II declarou que o arguido foi "exonerado". O veredicto de inocência foi decidido por unanimidade pelas 12 pessoas do júri responsáveis pela decisão, no julgamento iniciado em 15 de outubro.
Depois da decisão, Jean Boustani abraçou os advogados que o representavam e usou da palavra para agradecer, emocionado, ao juiz William Kuntz II, dizendo que os 11 meses que passou em prisão preventiva em Nova Iorque "não foram fáceis".
Boustani, de 41 anos, agradeceu o que chamou de "julgamento justo" e o tratamento que recebeu de todos os membros do tribunal durante o processo, que começou a 2 de Janeiro, quando foi detido na República Dominicana e levado para Nova Iorque.
Dívidas ocultas: Impactos para Moçambique das revelações de Jean Boustani em tribunal
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Decisão unânime
Os advogados de defesa, Michael Schachter e Randall Jackson, disseram que estão "satisfeitos, aliviados e profundamente agradecidos pelo serviço do júri". O julgamento de Bustani começou a 15 de outubro e as argumentações da acusação e da defesa terminaram a 21 de novembro. Os 12 integrantes do júri consideraram Bustani inocente por unanimidade.
Os Estados Unidos avançaram com o processo para julgamento em dezembro do ano passado, por alegados prejuízos a investidores internacionais e suspeita de passagem no território norte-americano de milhões de dólares de subornos a membros do Governo moçambicano, uma violação da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos EUA.
Os procuradores federais argumentavam que Jean Boustani e a construtora naval Privinvest fizeram transferências de centenas de milhões de dólares que foram intermediadas por bancos localizados em Nova Iorque. A Privinvest era a fornecedora de embarcações e equipamentos para as empresas públicas moçambicanas Ematum, MAM e Proindicus que entraram em 'default' em 2016 e revelaram dívidas desconhecidas de Moçambique no valor de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros).
O julgamento contou com mais de dez testemunhas, duas das quais eram arguidos no mesmo caso e conseguiram acordos de cooperação com a Justiça, Andrew Pearse e Surjan Singh, antigos banqueiros do Credit Suisse, ligados aos empréstimos internacionais concedidos às empresas moçambicanas.
Os empréstimos internacionais foram assumidos pelas três empresas detidas pelo Estado de Moçambique, com aval do antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, que também é arguido no mesmo processo dos EUA.
Privinvest teria financiado campanhas
Manuel Chang encontra-se detido na África do Sul e enfrenta pedidos de extradição para Moçambique e para os Estados Unidos.
No mesmo processo, os EUA acusavam Teófilo Nhangumele, agente de negócios que, alegadamente, atuava em nome do Gabinete do Presidente de Moçambique, e António do Rosário, diretor da empresa de pescas Ematum, que também trabalhava para o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) moçambicano.
Durante o seu depoimento no julgamento, Jean Boustani revelou que a Privinvest financiou as campanhas do atual Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, com um milhão de dólares, a campanha do partido político no poder, FRELIMO, com, pelo menos, quatro milhões de dólares, e a campanha para deputado de Manuel Chang com outros cinco milhões.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)