Jean Boustani, principal arguido nos Estados Unidos no caso das dívidas ocultas de Moçambique, declarou-se inocente dos crimes de conspiração para lavagem de dinheiro e conspiração para cometer fraude.
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No julgamento, no tribunal federal de Brooklyn, em Nova Iorque, esta segunda-feira (18.11), o cidadão libanês Jean Boustani, de 41 anos, negociador da empresa Privinvest, declarou-se inocente em dois dos quatro crimes de que é acusado pela Justiça norte-americana no caso das dívidas ocultas de Moçambique.
Nas primeiras declarações ao tribunal, o arguido garantiu que "nunca na vida" passou pelos Estados Unidos antes de ser detido, em 2 de janeiro, e também respondeu com "não" quando o seu advogado lhe perguntou se "alguma vez lhe passou pela cabeça que poderia ser acusado de crimes nos Estados Unidos".
Jean Boustani era o representante da empresa de construção naval Privinvest, fornecedora de serviços e equipamentos de três empresas públicas moçambicanas que assumiram empréstimos internacionais de cerca de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) e que entraram em incumprimento, levando à descoberta das dívidas ocultas de Moçambique.
Num depoimento conduzido pelo seu advogado, Michael Schachter, o suspeito declarou que "nunca" cometeu os crimes de conspiração para fraude económica ou de conspiração de lavagem de dinheiro.
Acusações por comentar
O arguido ainda não comentou as acusações de pagamento de subornos a membros de Governos estrangeiros e fraude em transferências eletrónicas, porque ainda não foi questionado pelo advogado, mas, desde o início do processo de investigação, que a inocência tem sido a posição da defesa.
Frente a 18 jurados que vão ditar o veredito, Jean Boustani recordou que foi detido quando se encontrava em viagem com a mulher na República Dominicana. Emocionado, Jean Boustani contou que festejou a "passagem de ano" em Beirute, no Líbano, com a família e amigos, e que se despediu do filho de 5 anos de madrugada, para ir de viagem com a mulher, para a República Dominicana, onde ambos foram detidos pelas autoridades locais.
"Graças a Deus, a minha mulher foi libertada rapidamente", disse Jean Boustani, acrescentando que as autoridades dominicanas lhe garantiram que iria ser enviado de volta para Beirute, com escala em Paris.
Segundo o suspeito, as autoridades dominicanas negaram o pedido de contacto com os empregadores da Privinvest para obter um bilhete de regresso e, em vez disso, recebeu um "bilhete de avião de Santo Domingo para Nova Iorque, sem mais explicações".
Já na manhã de 2 de janeiro, foi "preso pelo FBI", Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos, e "trazido a tribunal" no mesmo dia e encontra-se, desde então, "em custódia" do Governo Federal dos Estados Unidos e numa prisão de Brooklyn.
Argumentos da defesa
A defesa de Jean Boustani tem afirmado constantemente a inocência do cliente e argumenta que os Estados Unidos não têm poder de jurisdição para julgar atos que nunca foram praticados no território norte-americano.
Entretanto, a Procuradoria norte-americana alega que passaram pelos Estados Unidos da América transferências de milhões de dólares de subornos e pagamentos indevidos a membros do Governo moçambicano e a outros co-conspiradores do esquema de corrupção e violando a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos Estados Unidos (FCPA, na sigla em inglês).
Segundo a Justiça norte-americana, as empresas MAM, ProIndicus e EMATUM foram criadas apenas para enriquecimento ilícito de pessoas e assumiram empréstimos internacionais com garantias do Ministério das Finanças de Moçambique. Quando as três empresas entraram em incumprimento dos pagamentos, descobriram-se as dívidas ocultas.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)