Dívidas ocultas: Arguidos formaram grupo criminoso, diz juiz
Lusa
1 de dezembro de 2022
O juiz do caso das dívidas ocultas de Moçambique considerou provado que arguidos formaram "grupo criminoso para se apoderaram dos recursos do Estado". Efigénio Baptista acusou ainda Ndambi Guebuza de mentir em tribunal.
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Efigénio Baptista falava esta quinta-feira (01.12) no segundo dia da leitura da sentença do processo, marcado pela divulgação das conclusões que o tribunal tirou da acusação do Ministério Público e da prova colhida durante as audiências de julgamento. Baptista assinalou que "ficou assente" ao longo do processo que Ndambi Guebuza, filho mais velho do antigo Presidente da República Armando Guebuza, bem como antigos dirigentes do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) e outros arguidos atuaram de forma concertada para a consumação da fraude alimentada pelo dinheiro das dívidas ocultas.
O juiz visou de forma mais dura Ndambi Guebuza, considerando que provado que recebeu 33 milhões de dólares (31,4 milhões de euros) para "mover influência" junto do pai para a aprovação do projeto da Zona Económica Exclusiva (ZEE), usado como pretexto para a contração das dívidas.
Ndambi Guebuza ou "Júnior", como é tratado na correspondência entre os arguidos, "por ter o mesmo nome do pai, pediu dinheiro para apresentar a proposta", enfatizou o magistrado. Foi o envolvimento do filho mais velho do então chefe de Estado que permitiu que o processo fosse rapidamente aprovado por Armando Guebuza, porque antes dessa intervenção, a operação ia-se arrastando, continuou.
Efigénio Baptista também defendeu que "resultou provado" que os principais arguidos no caso já tinham relações de amizade ou de negócios, o que facilitou a sua associação criminosa para delapidarem o Estado moçambicano. Os arguidos, prosseguiu, viajaram várias vezes juntos ao estrangeiro para a preparação do esquema das dívidas ocultas.
Ndambi Guebuza mentiu, diz juiz
Para Efigénio Baptista também ficou demonstrado que todos os arguidos visados nas suas alegações, receberam subornos pelo seu papel no esquema. O magistrado disse ainda que ficou demonstrado que Ndambi Guebuza mentiu ao afirmar em tribunal que não conhecia alguns dos principais arguidos no processo.
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Com o relatório da apreciação da prova sobre parte dos arguidos, falta ainda a avaliação das evidências de envolvimento dos restantes implicados, seguindo-se depois a leitura das penas - o que deverá acontecer no sábado (02.12) ou domingo (03.12).
Na quarta-feira (30.11), o juiz justificou os cinco dias de leitura da sentença com "o volume do processo", assinalando que quer ler "cada uma das 1.388 páginas" do acórdão. "Temos uma sentença de 1.388 páginas" resultado de um processo com "um volume de mais de 30 mil páginas", disse Efigénio Baptista, que já anunciou a continuação dos trabalhos durante o fim de semana.
No banco dos réus estão sentados 19 arguidos acusados pelo Ministério Público moçambicano de envolvimento num esquema que defraudou o Estado em mais de 2,7 mil milhões de dólares (2,6 milhões de euros) de dívida contraída junto de bancos internacionais, entre 2013 e 2014.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado então por Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)