Dívidas ocultas: Juiz deixa Nyusi fora do rol de testemunhas
Leonel Matias (Maputo)
20 de agosto de 2021
O juiz do caso das dívidas ocultas, que vai a julgamento na próxima segunda-feira, indeferiu o pedido da defesa para serem arrolados como testemunhas o Presidente Filipe Nyusi, o primeiro-ministro e outros governantes.
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Um despacho do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a que a DW África teve acesso indica que a defesa do arguido António Carlos do Rosário requereu a junção no rol de testemunhas de 35 pessoas.
Um dos nomes propostos é do chefe de Estado, Filipe Nyusi. No entanto, o Presidente não deve ser arrolado como testemunha por ser parte interessada no processo e por não ter prestado declarações junto aos autos, refere o despacho assinado pelo juiz da causa, Efigénio Baptista.
O juiz indeferiu igualmente o pedido para Jean Boustani depor, considerando também que é parte interessada no caso.
O despacho menciona outras três dezenas de pessoas, nas quais se inclui o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, e outras altas individualidades, titulares de cargos públicos, cujo "requerente apenas arrola, mas não alega nem demonstra o contributo dos mesmos para a busca da verdade material no presente caso."
Indeferidos pedidos de liberdade provisória
Por outro lado, o juiz da causa indeferiu os pedidos de liberdade provisória solicitados pelos arguidos Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, e António Carlos do Rosário.
De acordo com o despacho "não existe, neste caso, extrapolação dos prazos de prisão preventiva com culpa formada, suscetível de determinar a ilegalidade da prisão."
Em relação a António Carlos do Rosário, o juiz considerou ainda "manifestamente infundado" o pedido de alteração da medida de coação de prisão preventiva pelo simples facto de ser oficial do Serviço de Informação e Segurança do Estado, a secreta moçambicana.
Nhangumele, um dos primeiros a ser ouvido
O julgamento começa na próxima segunda-feira (23.08), em Maputo. Segundo o porta-voz do Tribunal Supremo, Pedro Nhatitima, "as condições estão criadas para que o acesso à informação, o que vier a acontecer ao longo destes 45 dias, seja do conhecimento e seja do domínio das populações."
Um dos arguidos que deverá ser ouvido no primeiro dia do julgamento é Teófilo Pedro Nhangumele, tido como uma das figuras-chave do caso.
Dívidas ocultas: Impactos para Moçambique das revelações de Jean Boustani em tribunal
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Nhangumele tem sido citado como sendo o indivíduo que desenvolveu o trabalho técnico relativo ao projeto, identificou o seu financiamento e participou na criação da empresa ProIndicus, que juntamente com a EMATUM e a Moçambique Asset Management (MAM) estão envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.
De acordo com o Gabinete de Informação, cerca de 250 jornalistas nacionais estão acreditados, até ao momento, para cobrir o julgamento.
A expetativa neste julgamento é que sejam esclarecidas todas as questões em torno do processo, referiu o vice-presidente do Tribunal Supremo, João Beirão: "Nós não esperamos coisa diferente senão que se esclareça tudo o que existiu naquele processo e que, de facto, a justiça seja feita em relação às pessoas envolvidas."
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Juiz "alérgico à corrupção"
Nos últimos dias circularam Informações indicando que o juiz da causa, Efigénio José Baptista, estava a sofrer ameaças e desistiu do processo, alegação desmentida pelo porta-voz do Tribunal Supremo, Pedro Nhatitima. "Não corresponde à verdade que o juiz tenha posto o seu lugar à disposição. Pelo contrário, está entusiasmado, está muito motivado para assumir as suas atividades a partir da próxima segunda-feira", salientou.
Magistrado há 10 anos e docente, Efigénio Baptista tem sido mencionado em alguns círculos de opinião com algum ceticismo, alegadamente porque não tem experiência na área. A sua escolha foi feita através de sorteio, uma prática comum nos tribunais.
Efigénio Baptista declarou ao canal de televisão privada STV que não está preocupado em agradar, mas em fazer cumprir a lei. "Eu sei que as pessoas não gostam da minha postura e uma das coisas que as pessoas não gostam é que eu sou alérgico à corrupção. Não gosto", avisou já.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)