O juiz do caso das dívidas ocultas disse que as contas do Presidente Filipe Nyusi e do seu antecessor, Armando Guebuza, foram rastreadas, mas não há indícios de pagamentos da empresa Privinvest.
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O juiz Efigénio Baptista, que julga o caso das dívidas ocultas, esclareceu esta quinta-feira (30.09) em tribunal que, nas contas do antigo presidente Armando Guebuza e do atual chefe de Estado Filipe Nyusi, não há indícios de transferências de dinheiro da empresa Privinvest, acusada do pagamento de subornos.
Segundo o magistrado, todas as contas bancárias de Guebuza e Nyusi foram rastreadas, mas não foram identificados movimentos suspeitos.
"Em todas as contas do Presidente Guebuza e da sua mulher não houve recebimento de dinheiro do grupo Privinvest", frisou Efigénio Baptista. Quanto ao atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, também "não tem nada no processo de que recebeu algum dinheiro do grupo Privinvest".
O juiz desafiou quem tenha informação em contrário, que a "vá entregar na Procuradoria-Geral da República".
Porquê?
Efigénio Baptista respondia às preocupações do réu Gregório Leão, que quis saber por que motivo outros membros do Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança, que incluía Guebuza e Nyusi, não estão sentados no banco dos réus.
O arguido quis saber do juiz: "Agora estou curioso, na minha conta não falou nada. Falou dos outros…"
O magistrado respondeu que "é verdade" que na conta de Gregório Leão "não foi encontrado nenhum dinheiro da Privinvest". Há, no entanto, indícios de transferência de 8,9 milhões de dólares do grupo Privinvest para a conta bancária da sua mulher, Ângela Leão.
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Criação da MAM
Inicialmente, o arguido negou ter autorizado a criação da MAM, uma das três empresas que deviam operacionalizar o projeto da Zona Económica Exclusiva, apresentado pela Privinvest. Mas o Ministério Público insistiu, e o arguido acabou por dizer: "A decisão foi tomada por nós para questões operacionais".
A criação da MAM custou ao Estado moçambicano 520 milhões de dólares, um valor que foi acrescido aos 900 milhões de dólares da Ematum e 622 milhões da Proindicus, que elevaram a divida pública para 2,2 mil milhões de dólares.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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Em relação a responsabilidades pelo que se passava nas empresas estatais, o arguido apontou na direção de António Carlos do Rosário, que foi presidente da MAM, Ematum e Proindicus: "Ele foi indicado para operacionalizar aquilo que eram as decisões. Os contactos foram todos feitos no terreno com autorização, e ele é que estava no terreno", declarou.
O juiz da causa Efigénio Baptista não ficou convencido com a explicação do réu. O magistrado lembrou que a MAM tinha a tarefa de fazer a manutenção de embarcações que não existiam.
"Acha que era viável fazer um empréstimo de 535 milhões de dólares e começar a pagar até os juros? E veja que os juros da Proindicus já estavam a correr", lembrou. "Porquê ir emprestar outro dinheiro - se tinha juros a pagar - para fazer manutenção de algo que não existia?"
O réu argumentou que a empresa MAM iria fazer manutenção e outros serviços inerentes à segurança do Estado, considerados essenciais.
"Era preciso termos capacidade de manutenção nossa", declarou Gregório Leão, frisando que era também necessário "garantir a formação de quadros para a manutenção desses meios, que têm uma componente militar e não podemos levar para outros Estados repararem".
O arguido António Carlos do Rosário deverá ser ouvido esta sexta-feira.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.