O juiz do processo das dívidas ocultas, Efigénio Baptista, explica que o caso Chivale envolve "conflitos de interesse e indício de crimes", pelo que os outros advogados não têm o que temer. Julgamento foi suspenso.
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O julgamento do caso das "dívidas ocultas" foi, esta quinta-feira (21.10), suspenso por cinco dias a pedido do novo advogado do reú António Carlos do Rosário, que alegou que precisa de tempo para se inteirar do processo.
Isálcio Mahanjane é o substituto do advogado Alexandre Chivale, que foi afastado na última sexta-feira (15.10) por ser colaborador da Inteligência Económica dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) e por ser também administrador da empresa Txopela, que terá recebido dinheiro da Privinvest - empresa acusada de lesar o Estado moçambicano em 2,2 mil milhões de dólares no âmbito deste mesmo processo.
Na sequência dos acontecimentos, o juiz principal do processo, Efigénio Baptista, tranquilizou os restantes advogados envolvidos no caso, afirmando que não terão o mesmo destino do colega Alexandre Chivale.
Alguns dos advogados do caso das "dívidas ocultas" são funcionários do Estado, com títulos de provimento do Tribunal Administrativo, e receiam ser retirados da sala de audiências.
Salvador Nkamati foi o primeiro a manifestar esta preocupação, tendo pedido explicações do tribunal sobre a abrangência da decisão.
"Se for para o nosso caso também, em respeito ao princípio de contraditório, gostaríamos que o tribunal nos desse a oportunidade de nos defender e dizermos porque não estamos a advogar contra o Estado", disse o advogado.
O juiz Efigénio Baptista explicou que a questão do advogado Alexandre Chivale é diferente da dos demais colegas no processo: "[Ele] exercia uma função pública no Estado e, nas palavras do Ministério Público, estava de forma sistemática a praticar atos que concorriam para branqueamento de capitais. Geria empresas que, no entender do Ministério Público, eram veículos operativos, e depois essas empresas receberam parte do dinheiro que estamos a discutir neste processo".
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"Não é perseguição", diz juiz
O juiz deixou claro que o tribunal não está a perseguir nem a humilhar ninguém e voltou a frisar que, no caso Chivale, se está a falar "de questões objetivas de conflitos de interesses e de indícios de crimes".
"Então, não é perseguição. Se fosse perseguição não era necessário deixar o Ministério Público terminar o seu interrogatório, porque já terminou."
Mas o advogado Flávio Menete, da Ordem dos Advogados, que assiste o Ministério Público neste processo, lembra que Chivale foi afastado por incompatibilidade de funções e não por ser administrador da empresa Txopela.
"Quando se falou na Txopela, foram tomadas outras providências, foi um requerimento à parte. O requerimento para ser declarado impedido foi a incompatibilidade. Então, se assim for, corremos o risco de estar a dar tratamento diferenciado aos colegas, violando o princípio fundamental da Constituição", afirmou.
A estas afirmações, Efigénio Baptista respondeu que "o caso Chivale está encerrado" e que "o tribunal não vai voltar a discutir o impedimento do Dr. Chivale, porque é uma decisão já tomada. Mesmo se o tribunal quisesse, não poderia alterar".
Isálcio Mahanjane, substituto de Alexandre Chivale, vai também assumir a defesa dos dois outros arguidos que eram representados por Chivale.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.