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Dívidas ocultas: "Justiça é fraca para os fortes"

8 de dezembro de 2022

À DW, partido MDM diz que a Justiça perdeu a oportunidade de mostrar aos moçambicanos e ao mundo a sua imparcialidade, considerando a sentença das "dívidas ocultas" uma encenação política "para inglês ver".

Juiz do processo das "dívidas ocultas", Efigénio Baptista, e magistrada do Ministério Público, Ana Sheila Marrengula
Juiz do processo das "dívidas ocultas", Efigénio Baptista, e magistrada do Ministério Público, Ana Sheila MarrengulaFoto: Romeu da Silva/DW

A condenação a 12 anos de prisão de Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, no julgamento do escândalo das dívidas ocultas está a dividir a opinião dos moçambicanos.

Por ser o maior caso de corrupção da história do país, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) diz que ficou dececionado com a sentença proferida pela Justiça. Os réus são acusados pelo Ministério Público de envolvimento num esquema que defraudou o Estado em mais de 2,7 mil milhões de dólares de dívida contraída junto de bancos internacionais, entre 2013 e 2014.

Em entrevista à DW África, Augusto Pelembe, porta-voz da terceira força política moçambicana, diz que a Justiça revelou-se "fraca para os mais fortes". Reagindo à sentença, Pelembe diz que a decisão judicial  "dececionou" os moçambicanos, que esperavam uma pena superior a 20 anos de prisão.

DW África: O maior caso de corrupção da história de Moçambique teve finalmente sentença. Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente moçambicano, Armando Guebuza, foi condenado a 12 anos de prisão. Foi justa a pena?

Augusto Pelembe: "A Justiça moçambicana é forte para os fracos e fraca para os fortes"Foto: DW/R. da Silva

Augusto Pelembe (AP): Primeiro temos que aceitar que a Justiça moçambicana é forte para os fracos e fraca para os fortes. Isso está provado neste julgamento. Depois de tanto barulho e alarido, as penas são leves para o tamanho ou para as consequências deste crime, porque estamos a ver que o país está há 10 anos numa crise financeira profunda por causa destas dívidas ocultas.

Estamos a ver que hoje o nosso sistema de saúde está fragilizado, a nossa economia está fragilizada, o nosso sistema de educação está fragilizado, por causa das dívidas ocultas. Ou seja, é difícil para nós como moçambicanos e para nós como MDM, perceber por que é que a nossa Justiça não aplicou penas máximas de 20 a 24 anos, porque este crime não se pode descurar de um crime de homicídio, ou seja, são 30 milhões de moçambicanos que estão a sofrer por causa das dívidas ocultas.

DW África: Para o MDM, a Justiça seria forte se condenasse o filho do ex-Presidente a pena máxima de 24 anos?

AP: Sem dúvida. Não vamos olhar apenas para o dinheiro, vamos olhar para consequências que advêm dessas dívidas. Quantas pessoas morreram nos hospitais porque não tinham paracetamol, um medicamento, porque houve um corte no Orçamento do Estado pelos doadores, por causa dessas dívidas? Entre 60% e 74% dos jovens em Moçambique estão desempregados, ou seja, há várias consequências que foram trazidas.

Por outro lado, tivemos a ex-ministra do Trabalho que foi condenada a 16 anos de prisão porque, desviou 300 mil milhões de meticais (1,6 milhões de euros). E agora para estas pessoas? Estamos a falar de 3 bilhões de meticais. Há aqui uma incongruência, fora do normal dos nossos tribunais.

Tribunal condenou 11 dos 19 arguidos a penas entre os 10 e os 12 anos de prisãoFoto: Romeu da Silva/DW

DW África: Então, Ndambi Guebuza foi condenado a 12 anos de prisão por ser filho do ex-Presidente, é isso?

AP: Não só. Este julgamento é mais político e para inglês ver. Não foi um julgamento para a Justiça mostrar o seu trabalho, teve um condicionalismo político. Não só Ndambi, como também os outros.

DW África: Como é um julgamento político?

AP: O julgamento político é quando tem condimentos políticos. Se formos a olhar para todos os julgamentos anteriores, em que houve desvios de fundos públicos, estamos a falar de crimes que passam dos 16 a 20 anos de pena.

Como é possível, nos desvios de 40 milhões, 100 milhões, 300 milhões, terem uma pena de 16 a 20 anos e agora num crime tão hediondo como este e que teve consequências drásticas para todo os moçambicanos falamos de apenas 12 anos de prisão. O que significa isso?

Dizer que, em Moçambique, o crime não compensa é errado. Depois deste julgamento está claro que o crime compensa. Daqui a 12 anos, estes senhores estarão aqui na rua a passear connosco. Então, nós como MDM estamos profundamente desapontados com a nossa Justiça.

DW África: Acha que esse sentimento do MDM é também o sentimento da maioria dos moçambicanos, neste momento?

AP: Sem dúvida. Eu não vou ter medo de dizer que entre os moçambicanos, após ouvir esta sentença, há um profundo descontentamento - em todos nós. Estávamos esperançosos que esta era uma oportunidade de Moçambique e da Justiça moçambicana provar para nós e para o mundo a sua imparcialidade e a sua independência, mas infelizmente provou que é mais uma célula de um partido que está no poder há 47 anos. 

Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza

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