Analista Adriano Nuvunga diz que Fábio Mabunda é um peão central no processo que envolve altos cargos do Governo. Para o académico, o Tribunal Administrativo está a travar julgamento dos principais responsáveis no caso.
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O julgamento do caso das dívidas ocultas entrou esta segunda-feira (13.09) na quarta semana com a audição de Fábio Mabunda, dono da "M. Moçambique Construções" que assinou um contrato de prestação de serviços de construção com o grupo Privinvest.
Mabunda terá recebido 9 milhões de dólares que seriam, na verdade, para Gregório Leão, na altura diretor-geral dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE). Em tribunal, admitiu esta segunda-feira (13.09) que não prestou os serviços contratados.
Em entrevista à DW África, Adriano Nuvunga, diretor executivo do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), salienta que a audição de Fábio Mabunda é peça-chave no processo.
DW África: O depoimento de Fábio Mabunda poderá mudar o rumo do julgamento?
Adriano Nuvunga (AN): O julgamento de Fábio Mabunda é importante. Ele é o rosto da família Leão, na forma como fizeram a lavagem do dinheiro. Mabunda é a peça-chave para a lavagem do dinheiro. Ele declara-se inocente, mas Mabunda passou de uma situação sem dinheiro nenhum para a partir de uma certa data gerir quantidades elevadíssimas.
DW África: Em que aspetos o depoimento de Mabunda poderá ser uma peça-chave?
AN: Primeiro vai permitir compreender como foi feita a lavagem de dinheiro. Em segundo, e mais importante, é que se trata de Gregório Leão, o diretor-geral do SISE, uma pessoa da mais alta importância da Inteligência do Estado moçambicano. Este tipo de crimes são, na verdade, uma traição à pátria. É importante compreender como ele e este grupo de pessoas faz os esquemas de expropriação e de lavagem de dinheiro. Esse é o crime principal que tem lesado os moçambicanos.
DW África: Em tribunal, Fábio Mabunda entrou em algumas contradições: disse não ser capaz de esclarecer algumas questões ou não recordar certos pontos como as datas em que recebeu o dinheiro o grupo Privinvest. Isso poderá condicionar a chegada às respostas que acabou de referir?
AN: Não me parece que seja o caso. Existem as declarações dele e há a prova documental que está na posse quer do Ministério Público, quer do tribunal. Sempre foi assim com as anteriores audições. Na primeira parte os arguidos são devidamente preparados pelos seus advogados para fazerem declarações em certo sentido. Mas quando enfrentam questões que não esperam que venham do Ministério Público e do Tribunal, já começam as contradições que oferecem pistas importantes para o esclarecimento. Parece-me que é parte de algo que já estamos habituados desde que começou esse julgamento.
DW África: O CDD alertou para o facto de o Tribunal Administrativo ainda não ter tomado uma decisão em relação ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para responsabilizar financeiramente os gestores públicos envolvidos nos empréstimos ilegais de mais de dois mil milhões de dólares para as empresas ProIndicus, MAM e Ematum. Estão a ser protegidos pelo Tribunal Administrativo?
AN: Passam sensivelmente três anos desde que o Ministério Público solicitou ao Tribunal Administrativo a responsabilização financeira de gestores públicos envolvidos em empréstimos ilegais para a ProIndicus, MAM e Ematum. Desde lá a esta parte, existe um silêncio completo por parte do Tribunal Administrativo. As pessoas em causa são Manuel Chang, que era Ministro das Finanças, Ernesto Gove, que era Governador do Banco de Moçambique, Maria Isaltina Lucas, que era a antiga Diretora Nacional do Tesouro, Piedade Macamo, antiga Diretora Nacional e adjunta do Tesouro, o próprio Gregório Leão e António Carlos do Rosário.
O Tribunal Administrativo mantém-se em silêncio, a nosso ver como parte de uma ação desse mesmo tribunal que já é conhecido por ser o cemitério de processos para impedir a justiça e a responsabilização. Essa é a parte nevrálgica do processo. É a parte da autorização. Os que estão a ser julgados agora estão a sê-lo por terem concebido e, por via disso, recebido subornos. Mas a questão central é o nível de autorização. Mas é sobre este grupo de pessoas que autorizou que deve cair a responsabilização maior e neste momento o Tribunal Administrativo senta-se em cima desse processo para impedir justiça.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.