Um estudo do CIP, publicado nesta quinta-feira (27.05), em Maputo, indica ainda que as dívidas ocultas reduziram atividade democrática e criaram autoritarismo em Moçambique. Setor da Educação terá sido o mais afetado.
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Cerca de dois milhões de moçambicanos foram empurrados para a pobreza absoluta, de 2016 a 2019, devido às dívidas ocultas, revela um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP).
De acordo com a pesquisa intitulada "Custos e Consequências das dívidas ocultas para Moçambique", cada moçambicano pagou por elas 159 dólares (cerca de 10 mil meticais), no período em referência.
O estudo indica ainda que apenas com os custos diretos das dívidas, estimados em 674,2 milhões de dólares, podiam ter sido construídas 56 mil salas de aula e 898 centros de saúde de tipo dois.
Para o diretor do CIP e co-autor do estudo, Edson Cortez, o setor da Educação foi o mais afetado e o que se ressente mais agora com a pandemia de Covid-19.
"Hoje em dia, por causa da Covid-19, os professores do ensino público trabalham até sábado porque as turmas nas escolas públicas são enormes e, fazendo a divisão de turmas para evitar o potencial contágio pela Covid-19, não é possível que as aulas sejam dadas de segunda a sexta-feira, forçando os professores a darem aulas aos sábados", disse Cortez.
Autoritarismo e outros males
O diretor do CIP defendeu que as dívidas ocultas criaram a redução da atividade democrática, autoritarismo e "menos propensão para a construção de um Estado de democrático e de direito".
Para Edson Cortez, "tendo em conta todos esses aspetos mencionados, nós e o CMI [Chr. Michelsen Institute, um instituto de investigação sobre desenvolvimento] - julgamos que este relatório é bastante importante, porque é a primeira vez que se faz esse exercício para a determinação dos custos económicos e financeiros, políticos e sociais deste grande de escândalo de corrupção".
"Acima de tudo, assistimos a uma maior descredibilização por parte do poder político. Quase todos nós, quando olhamos para o poder político, percebemos que estamos perante um esquema de corrupção em que quase todo o círculo mais próximo do antigo Presidente da República estava envolvido neste escândalo e recebeu o dinheiro", afirma.
Elvira Matsinhe, da organização não-governamental britânica Oxfam, refere que o estudo poderá ser um contributo para esclarecer todos os contornos em relação às dívidas e que não se centre apenas na responsabilização.
"Mas para um debate sobre números, sobre o que se pode recuperar, sobre o que o cidadão está a sofrer", aponta Matsinhe que acredita que "desta forma haverá maior sensibilização e conhecimento do assunto, até para o cidadão mais distante da capital".
As dívidas ocultas estimadas em mais de dois mil milhões de dólares que se destinavam a criar três empresas moçambicanas foram descobertas em 2015.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)