No segundo dia das alegações finais do caso "dívidas ocultas", Ministério Público pediu pena máxima para 6 arguidos e indemnização de 2 mil milhões de dólares. E apontou o dedo a altos dirigentes da secreta moçambicana.
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O Ministério Público (MP) pediu esta sexta-feira (04.03) pena máxima para os réus António Carlos do Rosário, ex-diretor da Inteligência Económica do SISE, Gregório Leão, ex-diretor dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), o filho do antigo Presidente da República, Armando Ndambi Guebuza, a secretária de Armando Guebuza, Inês Moiane, o assessor político do anterior chefe de Estado, Renato Matusse e o réu Bruno Langa, amigo de Ndambi Guebuza.
"Mais elevada é a intensidade de dolo dos réus António Carlos do Rosário e Gregório Leão em atenção à sua qualidade de altos dirigentes do órgão responsável pela concepção e implementação do projeto da proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE) do SISE", lembrou a procuradora Ana Sheila Marrengula.
"A eles era exigível que fossem os primeiros guardiões e não como malfeitores da primeira linha", argumentou ainda a procuradora moçambicana.
Arguidos agiram em quadrilha
A procuradora pediu ainda pena próxima do limite máximo para outros réus, a destacar Teófilo Nhangumele, tido como "ponto focal" do projeto, e Cipriano Mutota, agente do SISE e diretor de projetos na secreta moçambicana, além de uma indemnização de 2 mil milhões de dólares.
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A acusação entende que os arguidos neste processo agiram em quadrilha no âmbito da utilização de fundos que se destinavam ao projeto.
"Os réus dos presentes autos causaram tanto mal aos moçambicanos, incluindo seus filhos e netos. Na maior parte dos réus não vimos arrependimento nas suas ações, mas extrema insensibilidade em face do resultado e consequência das suas ações", disse ainda Ana Sheila Marrengula.
Gastos de Ndambi davam para construir escola
A procuradora destacou Ndambi Guebuza, porque o filho mais velho do ex-Presidente Armando Guebuza gastou o dinheiro em lazer, valores que deviam ter sido úteis ao Estado.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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"Com o que embolsou e o que gastou em lazer, ofertas, carros, fretes de jatos, entre outros, paga a construção de uma escola primária de nível distrital com um custo médio de 14 milhões de meticais para cada distrito das províncias de Cabo Delgado, Niassa, Tete, Sofala, Inhambane, Gaza e Zambézia", exemplificou.
No fim das alegações do Ministério Público, o advogado Abdul Gani disse, em relação ao pedido de pena máxima para seis réus, que apenas o juiz é que vai ditar a sentença.
"Compete ao juiz verificar qual foi a matéria que foi dada como provada ou não e de acordo com a matéria provada, de acordo com os critérios e meios de prova legalmente admitidos fazer a assunção na lei", declarou.
Na próxima segunda-feira (07.03), será a vez da defesa convencer o juiz sobre o envolvimento dos seus constituintes, para que este os absolva ou minimize as suas penas.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.