Ministro das Finanças Adriano Maleiane foi apontado como "co-conspirador" num caso de crimes financeiros ligado às dívidas ocultas pela justiça dos EUA. A Ordem dos Advogados diz que não comenta "especulações".
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Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), a acusação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América foi revelada no último dia do julgamento (22.11), em Nova Iorque, do negociador da Privinvest Jean Boustani, o principal arguido no caso.
O Departamento de Justiça dos EUA identificou também a vice-ministra das Finanças, Isaltina Lucas, e o filho do ex-Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, como co-conspiradores moçambicanos num caso de crime financeiros relacionado com as dívidas ocultas. A acusação foi feita pelo procurador norte-americano Hiral Mehta.
Em entrevista à DW, o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Flávio Menete, diz que não comenta "especulações" e que prefere esperar por informação "oficial" e "fidedigna" para se pronunciar sobre o caso. Mas garante que a Ordem dos Advogados acompanha o caso com muita atenção.
DW África: O ministro das Finanças Adriano Maleiane acaba de ser identificado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como "co-conspirador" no caso das dívidas ocultas. A ser verdade, em que medida esta revelação choca com a função exercida por Adriano Maleiane na gestão deste caso? Que consequências é que isto pode ter?
FM: Bem, a primeira questão que eu coloco é saber se esta informação corresponde à verdade. A segunda é saber em que medida o ministro está envolvido neste processo. Portanto, não tendo informação bastante sobre esses aspetos fica difícil fazer qualquer tipo de juízo de forma apropriada.
DW África: No caso de vir a provar-se, acha que Adriano Maleiane se deve demitir do cargo de ministro das Finanças?
FM: Essa pergunta é muito complicada. Isso não é muito comum entre nós. Eu até poderia dizer que deve mas podia ter dificuldades em explicar com base em quê? Eventualmente com base na lei da probidade, na ética, etc. Mas vamos esperar até receber de forma oficial essa informação e aí concentramos a nossa atenção a pensar no assunto. Neste momento, eu nem sequer pensei neste assunto de forma séria ainda.
DW África: Mas numa altura que Moçambique está a tentar limpar a sua imagem para atrair investidores e até há sinais positivos - o ratingde Moçambique, por exemplo, até melhorou e o país saiu de incumprimento financeiro - fica bem o país ter um ministro das Finanças alegadamente envolvido no caso das dívidas ocultas?
FM: Está a fazer uma relação muito direta entre a intervenção do ministro e investimentos. Será preciso ter alguns estudos sobre os investidores e saber as razões por que não investem em Moçambique ou porque investem em Moçambique. Não posso fazer uma análise meramente académica. Academicamente tem toda a razão, mas não sei se isso é tão verdade assim. Como disse no início, eu não tenho ainda informação nem bastante nem fidedigna para me pronunciar.
Ministro Maleiane mencionado no caso das dívidas ocultas
DW África: Por exemplo, o Departamento de Justiça norte-americano disse que Adriano Maleiane era o ministro das Finanças na altura das trocas de títulos dos créditos da EMATUM e sabia que Moçambique estava a mentir ao FMI sobre os empréstimos e que terá escondido isto aos investidores. Isto foi o que foi dito pelo procurador nos EUA. Se isto for verdade, como é que passará a ser a relação do ministro com o FMI?
FM: É especulação: "se for verdade"... Mas o que estou a dizer é: nós vamos tomar isto a sério e vamos analisar com devida profundidade e propriedade a partir do momento em que tivermos uma informação fidedigna e oficial sobre essa matéria. Não tenho essa informação e não quero fazer comentários com base em artigos jornalísticos. Nós estamos muito atentos a este caso e quero lembrar que a Ordem dos Advogados de Moçambique constituiu-se assistente no processo das dívidas ocultas e temos uma responsabilidade forte relativamente a isso. Portanto, não me fica bem enquanto representante de um assistente estar a fazer comentários especulatórios.
DW África: Portanto a informação do procurador dos EUA, para si, não tem validade suficiente ainda?
FM: Esse é um procurador nos Estados Unidos. Eu quando falo aqui eles, por acaso, ouvem-nos lá nos Estados Unidos?
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)