A segunda prestação da dívida da empresa estatal MAM ficou por pagar. Analista teme o agravamento da credibilidade do país e lembra que a recuperação da economia depende da publicação da auditoria sobre dívidas ocultas.
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Ao todo, a empresa estatal Mozambique Asset Management (MAM) deve 535 milhões de dólares, mas até agora não pagou nem a primeira, nem a segunda prestação. O montante corresponde a apenas uma parte das chamadas dívidas ocultas, contraídas em 2013 e 2014 também pelas estatais EMATUM e ProIndicus, sem o aval da Assembleia da República.
Segundo o Ministério das Finanças, o Estado falhou as obrigações por estar ainda a negociar um novo plano de pagamentos com os investidores. Em entrevista à DW, a analista moçambicana Fernanda Massarongo fala sobre as consequências para o país.
DW África: Esta é a segunda prestação da dívida pública que Moçambique falha em um ano. Quais as consequências para o país por este incumprimento financeiro?
Fernanda Massarongo (FM): A principal consequência está relacionada com a credibilidade no mercado financeiro internacional. Como sabemos, desde a descoberta das dívidas ocultas e com a instabilidade macroeconómica, Moçambique sofreu um 'downgrade' no 'rating' internacional como país destino de fundos. Chegou mesmo a ter um 'rating' quase igual ao da Venezuela, como um dos países mais arriscados, em termos de juros, para se investir. Esta é uma consequência bastante grave para Moçambique, na medida em que o país é altamente dependente de fluxos externos de capital para o funcionamento da economia.
DW África: O Estado moçambicano diz que ainda está a decorrer o "processo negocial" para conseguir um novo plano de pagamentos. Em que resultará este processo?
FM: É difícil dizer por causa da escassez de informação. Neste momento, existe o relatório da Kroll [de auditoria às chamadas dívidas ocultas], que foi entregue em meados de maio, mas o relatório ainda não foi publicado; o FMI [Fundo Monetário Internacional] solicitou a sua publicação até ao final do mês. Essa publicação é crucial para se prosseguir. Por outro lado, os detentores dos títulos de dívida do Governo de Moçambique já declararam que só vão negociar com o Executivo quando este tiver um programa com o FMI, mas o Fundo já declarou que só retoma o programa quando a dívida voltar a ser sustentável. Portanto, há uma grande incógnita. Ainda não é claro. Se o relatório da Kroll permitir uma retomada das relações com os doadores, poderá, pelo menos, assistir-se a uma certa recuperação da economia de Moçambique e talvez seja possível retomar um certo nível de confiança - melhorar o desempenho económico e a capacidade de fazer face à dívida.
Moçambique falha novo pagamento e sofre consequências
DW África: Qual a sua opinião sobre o pagamento das dívidas ocultas? Muitos analistas defendem o pagamento, ao passo que outros não.
FM: A Constituição e a Lei Orçamental prevêem que qualquer dívida ou garantia feita pelo Estado deve ser aprovada pelo Parlamento e, portanto, deve estar inscrita no Orçamento. Mesmo no caso de alguma dívida ou garantia extraordinária também deve haver uma consulta prévia ao Parlamento. E, neste caso das dívidas ocultas, em nenhum momento estas leis foram respeitadas. O próprio processo de aceitação da existência de dívida foi igualmente oculto, tal como as dívidas. Portanto, há uma ilegalidade gravíssima em relação àquilo que são leis fundamentais do funcionamento do Estado. Então, o pagamento ou a aceitação dessa dívida, como fez o Parlamento há algumas semanas com a inclusão destas dívidas no relatório de contas, põem em questão as regras do funcionamento da sociedade – até que ponto estas leis fundamentais do funcionamento do próprio Estado são válidas no contexto moçambicano. Então, acima de tudo, o pagamento desta dívida tem uma implicação sobre aquilo que é o Estado moçambicano.
2016 em imagens: O que moveu a África lusófona?
Desde a tensão político-militar em Moçambique, passando pela luta pela liberdade de expressão em Angola, até à crise política na Guiné-Bissau - 2016 foi um ano de momentos marcantes nos PALOP.
Foto: Getty Images/AFP
Angola: Febre amarela mata 370 pessoas
O primeiro caso foi conhecido no final de 2015, em Luanda. Em poucos meses, a epidemia alastra-se às 18 províncias do país e mata mais de 370 pessoas. Em fevereiro, o Governo lança a primeira fase da campanha de vacinação (na foto). Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde afirma que não pode declarar o país livre do surto, uma vez que "ainda decorre o período de implementação da resposta".
Foto: DW/B. Ndomba
Ataques e acusações em Moçambique
A 20 de janeiro, o secretário-geral da RENAMO, Manuel Bissopo, é baleado por desconhecidos na cidade da Beira, centro de Moçambique. O político da oposição sobrevive, mas, desde o início do ano, quase diariamente, há notícias de ameaças, sequestros e mortes de dirigentes moçambicanos. A FRELIMO e a RENAMO trocam acusações. A tensão político-militar marca o ano no país.
Foto: Nelson Carvalho
Cabo Verde: Maioria absoluta para a oposição
Em março, o Movimento para a Democracia (MpD) derrota o PAICV e volta ao poder, após 15 anos na oposição. O primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva promete trabalhar pelo crescimento do país, mas, em julho, admite: Cabo Verde "não está bem". Apesar do "contexto económico, financeiro e social difícil", em novembro, o Governo prevê um crescimento de 5,5% do PIB no Orçamento de Estado para 2017.
Foto: MpD
Penas de prisão para 15+2 em Luanda
17 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião e de organização de malfeitores, são condenados em março a penas entre dois e oito anos de prisão. O julgamento fica marcado por protestos e denúncias de irregularidades e ganhara visibilidade internacional com a greve de fome de Luaty Beirão e outros ativistas contra a morosidade do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
As "dívidas escondidas" de Moçambique
Em abril, o Governo moçambicano admite a existência de dívidas não declaradas pelo Estado. A descoberta das dívidas contraídas por três empresas com garantias do Governo, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, levam os investidores a suspender a ajuda financeira a Moçambique. Ao mesmo tempo, o metical desvaloriza e os preços sobem: a crise económica instala-se no país.
Foto: DW/M. Sampaio
José Mário Vaz e a crise em Bissau
A 12 de maio, o Presidente guineense demite o Governo de Carlos Correia. Na Assembleia Nacional Popular reina o desentendimento após a expulsão de 15 deputados do PAIGC, partido maioritário no Parlamento. Baciro Djá é empossado primeiro-ministro sob protestos do ex-Executivo e da maioria dos deputados do PAIGC. O impasse impede debate e aprovação do programa do novo Governo.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
A polémica presidente da Sonangol
Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, é nomeada pelo pai em junho para chefiar a petrolífera estatal. Doze advogados apresentam ao Tribunal Supremo uma providência cautelar, invocando a alegada violação da lei da Probidade Pública. A ação ainda aguarda decisão. Entretanto, a Procuradoria-Geral da República considera que a nomeação de Isabel dos Santos para a Sonangol "cumpriu a lei".
Foto: Reuters/E. Cropley
Ativistas em liberdade após lei de amnistia
Em junho, o Supremo Tribunal de Angola ordena a libertação dos ativistas angolanos a cumprirem pena de prisão por rebelião. Luaty Beirão (na foto), é um dos ativistas postos em liberdade. José Marcos Mavungo, detido em março de 2015, depois de ter organizado uma manifestação contra a má governação em Cabinda e a violação dos direitos humanos em Angola, tinha já sido posto em liberdade em maio.
Foto: DW/P. Borralho
São Tomé e Príncipe: eleições controversas
Evaristo de Carvalho vence a primeira volta das presidenciais, em julho, mas a Comissão Eleitoral anuncia uma alteração do resultados: afinal, nenhum candidato reúne mais de 50% dos votos. O Presidente cessante Manuel Pinto da Costa, o segundo mais votado na primeira volta, desiste da corrida e Evaristo de Carvalho concorre sozinho à segunda. É eleito Presidente com 54% de abstenção.
Foto: DW/R. Graça
Saída em 2018?
Em março, José Eduardo dos Santos anuncia que vai abandonar a vida política em 2018. Mas, em agosto, é reconduzido na liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Os moldes exatos da sua saída da política ainda não são conhecidos. Após a independência em 1975, Angola apenas teve dois Presidentes: Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Diálogo em Moçambique
Em setembro, são retomadas as negociações entre o Governo e a RENAMO em Maputo, que estão sob mediação internacional desde julho. Governo e RENAMO estão há meses sem chegar a um entendimento. Mediadores propõem cessar-fogo, mas os confrontos continuam. As divergências mantêm-se até ao fim do ano de 2016, altura em que a descentralização do poder está no centro do debate.
Foto: DW/L. Matias
Ataques a dirigentes políticos em Moçambique
Armindo Nkutche, membro da Assembleia Provincial de Tete pela RENAMO, é morto a tiro em setembro. Jeremias Pondeca, representante da RENAMO nas negociações de paz (à direita, na foto), é morto a tiro em outubro. No mesmo mês, desconhecidos matam o chefe da bancada da RENAMO na Assembleia Provincial de Sofala, Juma Ramos. Multiplicam-se os ataques a membros do partido da oposição e da FRELIMO.
Foto: DW/L. Matias
Continuidade em Cabo Verde
O Presidente Jorge Carlos Fonseca vence as eleições de 2 de outubro, mas a abstenção histórica de 64% levanta críticas da oposição. Na tomada de posse do seu segundo mandato (na foto), o Presidente cabo-verdiano defende o reforço da segurança do país a partir de investimentos em tecnologia e formação de agentes.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Moçambique não consegue pagar dívidas
Em novembro, o Governo assume oficialmente a incapacidade financeira para pagar as próximas prestações das dívidas das três empresas públicas com empréstimos ocultos (EMATUM, ProIndicus e MAM), defendendo uma reestruturação dos pagamentos e uma nova ajuda financeira do FMI. Comissão Parlamentar de inquérito para investigar contornos das dívidas conclui que o Executivo violou a Constituição.
Foto: Leonel Matias
Correspondente da DW detido
Arcénio Sebastião, correspondente da DW África na Beira, em Moçambique, é detido durante 34 dias no distrito do Dondo, acusado de injúria e difamação contra um agente da polícia. Um caso "incomum", segundo a defesa e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral - MISA. O jornalista aguarda julgamento em liberdade, depois do pagamento de uma fiança de 20 mil meticais (mais de 230 euros).
Foto: DW/A. Sebastiao
Nosso Banco fecha as portas em Moçambique
O terceiro maior banco de Moçambique, com capitais maioritariamente nacionais, encerra ao público em novembro, na sequência do cancelamento da sua licença pelo Banco Central (na foto), perante os problemas financeiros da instituição. O caso causa indignação e juristas sugerem que o Banco de Moçambique pode ser alvo de responsabilização civil por negligência. Outros bancos estão sob vigilância.
Foto: DW/J.Beck
Guiné-Bissau: 5 Governos em menos de 3 anos
Em novembro, José Mário Vaz demite o Governo de Baciro Djá e dá posse a um novo primeiro-ministro: Umaro Sissoco. O PAIGC, vencedor das últimas legislativas, não aceita integrar o novo Governo, empossado em dezembro, por considerar que este resulta de uma iniciativa presidencial contrária ao acordo de Conacri, assinado pelos dirigentes guineenses em outubro e mediado pela CEDEAO.
Foto: DW/B. Darame
João Lourenço: o candidato do MPLA?
O ato central das comemorações do 60º aniversário da fundação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a 10 de dezembro, decorre sem a presença do presidente do partido, José Eduardo dos Santos. O ministro da Defesa, João Lourenço, é tido como o sucessor à liderança do partido, mas o MPLA não o confirma oficialmente.