Secretária de Guebuza teria convidado Namburete para negócio
Leonel Matias (Maputo)
6 de setembro de 2021
Sérgio Namburete diz ter auferido pagamentos ilícitos da Privinvest, grupo associado ao escândalo das dívidas ocultas. Arguido tem intenção de devolver montante: "Se eu entrei neste negócio, não me apercebi do que era".
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A audição do réu Sérgio Namburete, acusado pelo Ministério Público de ter recebido 127.500 euros no âmbito do escândalo das dívidas ocultas que lesaram o estado moçambicano em cerca de dois mil milhões de euros, foi marcada pelo seu estado visivelmente emocionado.
"A única coisa que eu queria dentro deste tribunal é pedir perdão do meu coração a toda a gente, neste momento, neste mundo a quem fiz mal. À minha família. A minha mulher foi presa por causa deste negócio", afirmou. "Se eu entrei neste negócio, não me apercebi do que era", acrescentou.
Mais tarde, durante a sessão de perguntas, o juiz Efigénio Baptista chegou mesmo a suspender momentaneamente a audiência devido ao estado emocional do réu.
Pedido da secretária de Guebuza
Namburete afirma que recebeu o dinheiro na sequência de um contrato assinado com a Logistic International Abu Dhabi, uma empresa do grupo Privinvest, alegadamente para intermediar o trespasse de um terreno, a pedido de outra arguida do caso, Maria Inês Moiane. Na altura dos factos, Maria Inês Moiane era secretária do então Presidente da República, Armando Guebuza.
O réu informou que Maria Inês Moiane justificou o convite, alegando que a Logistic International Abu Dhabi exigia que o contrato fosse celebrado com uma empresa para permitir a faturação da operação.
Segundo o arguido, a sua intervenção no projeto consistiu em acompanhar os técnicos para a demarcação do terreno e a produção de uma planta topográfica para a construção de um prédio que acabou por não sair do papel.
Questionado sobre se tinha algum relatório sobre a implementação do seu contrato com a empresa Logistic International Abu Dhabi, o réu respondeu negativamente.
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Arguido disposto a devolver dinheiro
O juiz da causa, Efigénio Baptista, questionou o arguido: "Está disposto a devolver o dinheiro que recebeu, 127.500 euros?"
O réu disse ainda ao tribunal que à data dos factos não tinha conhecimento do projeto de proteção costeira, nem da criação das empresas ProIndicus, EMATUM e Moçambique Asset Managentement que estão associadas ao escândalo das dívidas ocultas.
Comentando a postura do réu Sérgio Namburete durante a audição, o analista Elísio de Sousa denota alguma teatralidade no depoimento do réu.
Nós tivemos um homem grande, um homem quase idoso [61 anos], a chorar perante o tribunal e a pedir desculpas. Há de ter sido um pouco teatral. Normalmente quando a pessoa jura arrependimento tem que depois mostrar os atos subsequentes. Portanto, não faz sentido eu dizer que estou arrependido e depois dizer que se viesse uma outra empresa faria tudo de novo", comentou.
O julgamento prossegue na próxima quinta-feira (09.09) com a audição de Maria Inês Moiane.
Outro colaborador próximo do ex-Presidente Armando Guebuza, o seu assessor político, Renato Matusse, será ouvido na próxima sexta-feira (10.09) e o próprio Armando Guebuza comparece no tribunal como declarante no dia 2 de dezembro.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.