No sexto dia do julgamento, houve momentos de tensão entre Ndambi Guebuza e a magistrada do Ministério Público, Ana Sheila Marrengula. O filho do ex-Presidente Armando Guebuza desrepeitou a magistrada do MP e o tribunal.
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Ndambi Guebuza, o filho do antigo Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza, negou em tribunal ter recebido dinheiro da Prinvinvest, na esteira do julgamento das dívidas ocultas.
O Tribunal exibiu vários e-mails em que o outro co-réu, Teófilo Nhangumele, e Jean Boustani, negociador da Privinvest, falavam em divergências na divisão dos 50 milhões de dólares entre Teófilo, Ndambi Guebuza e Bruno Langa.
Numa das conversas, Nhangumele queixava-se a Jean Boustani do fato de Ndambi Guebuza ter recebido 33 milhões de dólares e os outros companheiros, Bruno Langa e Teógilo Nhangumele, terem recebido 8,5 milhões cada.
"Acordou com os seus amigos Bruno e Teófilo em dividir uma quantia de 50 milhões de dólares. Tiveram uma conversa, um acordo nesse sentido?", questionou o juiz.
"Nunca tive esse tipo de conversa com eles de 50 milhões de dólares para dividir, nunca tive essa conversa”, respondeu o réu.
Ndambi Guebuza nega quase tudo
O juiz da causa, Efigénio Baptista, perguntou ao filho do ex-chefe de Estado se teria recebido, confirmado e assinado a recepção de uma parcela de 14 milhões de dólares, mas o réu Ndambi não confirmou.
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"Meritíssimo não fiz nenhuma transferência de 14 milhões de dólares, nem recebi 14 milhões de dólares nessa conta", disse.
E o juiz insitiu: "O e-mail diz que o senhor recebeu do grupo Privinvest [faz menção aos] 14 milhões de dólares. E confirmou aqui a recepção".
"Não meritíssimo. Não recebi 14 milhões de dólares da Privinvest, é falso. Mas esta é sua assinatura? Mas é falso, não recebi. Pode-se forjar a assinatura hoje em dia, é falso porque não recebi 14 milhões de dólares da Privinvest meritíssimo”, reagiu Ndambi Guebuza.
Ndambi Guebuza preferiu responder com questões a maior parte das perguntas colocadas, tanto pelo juiz como pela magistrada do Ministério Público (MP), e usou indevidamente o tempo para responder as questões para denunciar o que considera de perseguição a si e a sua família por parte do Ministério Público, quando este quis saber da abertura de uma conta bancária nos Emirados Árabes Unidos.
"Tem acontecido na nossa família... Perseguições contra a nossa família em que a PGR é um veículo utilizado para perseguir não só a minha família, mas também aos combatentes da luta de libertação deste país. A missão da PGR é perseguir, denegrir a imagem, maltratar e prender", acusou Ndambi Guebuza.
Falta de respeito
Mas este momento acabou em alguma tensão entre a procuradora Ana Sheila e o réu, por causa de uma pergunta de insistência em que a magistrada queria que ele confirmasse. A questão era: Se ele criou corredores de influência para que o seu pai aprovasse o projeto da proteção da Zona Económica Exclusiva.
"Eu estou a lhe fazer pergunta que resulta de contradição. Eu também estou a responder uma pergunta que resulta de contradição", respondeu o réu.
Desagradada a magistrada alertou sobre as posições de cada um no tribunal: "Sr. Ndambi, não estou a perguntar. Não faz perguntas".
E grosseiramente Ndambi Guebuza ripostou: "Não, a senhora acha que eu é que governava o país? Não me coloca pergunta. Então é isso. Eu disse o presidente da república tem canais próprios."
A representante do MP chegou mesmo a pedir uma posição ao juiz Efigénio Baptista: "Meritíssimo, acho que aqui há um ponto de ordem. Eu não admito que o réu se refira a mim na qualidade de senhora. O réu pode não saber mas estou aqui a representar a exercer uma função de estado. Há formas de tratamento. Pode-se dirigir a mim como digna magistrada.”
MP cobra posição do juiz
Ndambi Guebuza chegou mesmo a desrespeitar a magistrada do MP e o próprio tribunal, o que lhe valeu várias chamadas de atenção por parte de Efigénio Baptitsta. O réu interrompia repetidamente os pronunciamentos do juiz e da magistrada do MP. Foram momentos que mereceram protestos por parte do advogado do réu, Isalcio Mahanjane.
"Meritíssimo acaba de colocar a coisa que é a questão dos pontos. Se já tiver respondido é que já respondeu. Mas há persistências quando ele diz isso. Naturalmente que o estado anímico dele pode saltar por conta disso”, justificou.
São no total 19 réus que o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo devera arrolar neste processo das dívidas ocultas e perto de 60 declarantes.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.