Postura desafiante do réu repete-se e juiz pede que não seja "malcriado". Ndambi Guebuza afirma que é o atual PR, então ministro da Defesa, quem deve responder sobre o projeto de proteção costeira na origem das dívidas.
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O réu Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, voltou a ser ouvido em tribunal, em Maputo, esta terça-feira (31.08) e usou, entre várias táticas, o silêncio para as perguntas que lhe iam sendo colocadas.
O segundo dia da audição no julgamento das dívidas ocultas, que decorre em tendas montadas no espaço da cadeia de máxima segurança, voltou a ser dominado por alguns comportamentos indevidos do réu diante do tribunal.
Ndambi Guebuza continuou a responder às questões com outras questões, o que obrigou o juiz Efigénio Batista a voltar a chamar a atenção para o seu comportamento "malcriado". Diversas vezes, e de forma pedagógica, pediu ao réu que fosse "bem educado" quando replicava de forma arrogante.
"Senhor Armando, não é necessário, para fazer valer os seus direitos, ser malcriado. Todo o pai quando nasce um filho, cresce, é educado, o pai quer estar orgulhoso desse filho. E uma das coisas que deixa um pai envergonhado é ver um filho mal educado. Percebe?", perguntou o juiz, a certa altura. "Sim, perdoe, meritíssimo", retorquiu o réu.
Juiz garante que não beneficia o réu
Por diversas vezes, Ndambi Guebuza, que tem o pai entre a assistência do julgamento, interrompia as intervenções dos advogados assistentes ou mesmo do juiz da causa, apesar das insistentes chamadas de atenção. No entanto, o que surpreendeu o auditório é que a Ndambi era dada a oportunidade de se defender, mas preferiu ficar calado.
Este cenário causou algum desconforto por parte da Ordem dos Advogados (OAM), assistente do processo, que chegou mesmo a acusar o juiz de dar ao réu "privilégios que não estão previstos na lei". Aos representantes da OAM, "não parece que seja legítimo que o réu questione" os seus requerimentos e que interrompa os magistrados, "acima de tudo".
O juiz da causa explicou aos advogados que o réu confundiu o pedido de requerimento com uma pergunta e esclareceu: "Quem me conhece bem, mas bem mesmo, sabe que não dou privilégios a ninguém, nem beneficio a ninguém, nem sou movimentado por ninguém e não tenho medo de nada e de ninguém. Mas, como juiz, tenho obrigação de dar palavra ao réu quando ele quiser falar. Ele tem que ter processo justo e legal".
É a Nyusi que "a pergunta tem de ser feita"
Questionado sobre o seu envolvimento no projeto de proteção costeira na origem das dívidas ocultas, Ndambi Guebuza remeteu explicações para o atual Presidente da República e sucessor do seu pai, Filipe Nyusi, na altura, ministro da Defesa.
"Quem fazia parte do comando conjunto era o ministro da Defesa", pelo que é a ele que "a pergunta tem de ser feita", declarou.
A alusão ao atual Presidente moçambicano no julgamento do processo das dívidas ocultas já tinha sido feita pelos dois arguidos ouvidos na semana passada, Cipriano Mutota, antigo diretor de Estudos e Projetos do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), e Teófilo Nhangumele, um "consultor independente" que participou na conceção do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva. Ambos disseram em tribunal que Nyusi concordou com a implementação da referida iniciativa, na qualidade de ministro da Defesa.
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Réu recusa debater prejuízos, um "assunto político"
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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No rol das questões, a Ordem dos Advogados de Moçambique, assistente do Ministério Público neste processo, quis saber se o réu tinha conhecimento de que os empréstimos feitos com garantias de pagamento ao Estado estavam a causar danos ao povo moçambicano. Desta feita, Ndambi optou por não se calar novamente ou responder com mais um "acredito que respondi a essa pergunta ontem", um "não gostaria de responder essa pergunta", ou ainda com um "pergunte a Jean Bosutani, ele pode responder".
"Gostaria de dizer, meritíssimo, que este assunto é político. Senão, vamos entrar num outro debate, meritíssimo. Se o digníssimo advogado quer, vamos entrar no assunto político", respondeu.
Os advogados quiseram ainda saber mais sobre as viagens com outro réu, Nhangumele, que dizia que não o conhecia, num avião privado da Privinvest, ao que Ndambi Guebuza respondeu de forma esquiva: "A causa da minha prisão é por causa das dívidas ocultas. O povo moçambicano quer saber o que aconteceu com os 2,2 mil milhões de dólares e aqui estamos a falar de jatos privados, de bebidas, vinhos e o povo quer saber o que se passou realmente. É isso, meritíssimo".
Esta quarta-feira (01.09), o Tribunal Judicial da cidade de Maputo deverá ouvir o réu Bruno Langa, amigo de Ndambi Guebuza, que recebeu 8,5 milhões de dólares de Jean Boustani, negociador da Privinvest. No final da audição de Ndambi Guebuza, o tribunal deverá notificar Boustani, apontado como o pivô da contratação das dívidas ocultas, para esclarecer este processo, mesmo que seja por videoconferência.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.