Dívidas ocultas: Nome de ex-Presidente Guebuza em tribunal
Lusa
14 de novembro de 2019
O antigo chefe de Estado trocou mensagens telefónicas em 2016 com o negociador da Privinvest que está em julgamento nos Estados Unidos, Jean Boustani, segundo uma agente do FBI.
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O ex-Presidente moçambicano Armando Guebuza recebeu várias mensagens de Jean Boustani, homem forte da Privinvest, onde era apelidado de "papá", com comentários sobre as empresas envolvidas no escândalo das dívidas ocultas e sobre trabalhos com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A agente especial do Departamento Federal de Investigações (FBI) dos EUA Fatima Haque disse na quarta-feira (13.11), num tribunal de Nova Iorque, que Jean Boustani, cidadão libanês e negociador da empresa Privinvest, escrevia a um número guardado sob o nome "AG" e que os investigadores norte-americanos identificaram como Armando Guebuza, Presidente de Moçambique entre 2005 e 2015.
Apresentando uma tabela com mensagens enviadas por Jean Boustani a números guardados na lista de contactos como António do Rosário 2, Makram Abboud, Iskandar Safa e AG, a agente especial do FBI que foi chamada para testemunhar no julgamento constatou que quatro mensagens foram dirigidas a Armando Guebuza.
"Papá. Para informação"
Segundo as interceções do FBI, no documento obtido pela agência de notícias Lusa, três dessas mensagens de Jean Boustani para Armando Guebuza começavam por "Papá" e continham informações relativas ao FMI ou à emissão de 'eurobonds' por Moçambique em 2016.
Uma dessas mensagens de Jean Boustani para o número de Armando Guebuza foi enviada no dia 28 de março de 2016 e lia-se "Papá. Para informação. Fui bem sucedido em refinanciar todos os projetos e em emitir um 'eurobond' internacional para Moçambique de muito sucesso. Portanto tudo está bem".
A mensagem referia-se à troca de títulos no empréstimo da EMATUM (chamados 'loan participation notes' ou LPN) por títulos de dívida soberana, os 'eurobonds'. O mesmo texto terminava com a frase "Sempre a servir o país como desejaste e instruíste. Abraço".
A segunda mensagem para "AG" apresentada no documento da agente especial Fatima Haque foi a 20 de abril de 2016 e incluiu informações sobre o encontro da delegação do FMI com António Carlos do Rosário, antigo diretor do Serviço de Informações e Segurança do Estado e Isaltina Lucas, antiga vice-ministra das Finanças de Moçambique.
"Ontem, o chefe do FMI encontrou-se com António Carlos do Rosário e Isaltina Lucas. Correu muito bem. Em breve, uma declaração será publicada para esclarecer os factos e expor a verdade", lê-se na mensagem de texto de 20 de abril de 2016, que posteriormente foi encaminhada do número de Boustani para um número que o FBI encontrou ser de António Rosário.
O texto, citado pelo FBI, indicava também o nome de Luísa Diogo, primeira-ministra de Moçambique entre 2004 e 2010 e antiga ministra do Plano e Finanças. "Para info", escreveu Boustani, "Luísa Diogo também está lá. Mesmo sem ser parte da delegação oficial!!"
A mensagem de Boustani começava por "Boa tarde Papá" e terminava com "Estou a fazer tudo o que posso, como sempre, pelos interesses de Moçambique. Como sempre instruíste".
No mesmo dia, 20 de abril de 2016, o número que alegadamente pertencia a Armando Guebuza respondeu com "Ótimo meu filho. Abraço".
Jean Boustani escreveu um pedido ao número que a agente especial do FBI atribuiu a António Carlos do Rosário, a 21 de abril de 2016: "MMMMM. Por favor faz a declaração conjunta com o FMI hoje. Todos os bancos e o planeta estão à espera disso!! MMMMM".
Ainda a 23 de abril de 2016, Jean Boustani enviou uma mensagem para o número de "AG" que começava com "Bom dia Papá" e incluía um 'link' para um artigo do Jornal de Angola, em português.
Até agora, os procuradores dos Estados Unidos argumentaram que o esquema de subornos e a conspiração de fraude económica em Moçambique começou com Jean Boustani, da empresa Privinvest, e chegou ao antigo Presidente moçambicano Armando Guebuza por intermédio do filho, Ndambi Guebuza e de Teófilo Nhangumele, com documentos assinados pelo antigo ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang.
Ndambi Guebuza e Teófilo Nhangumele encontram-se detidos em Moçambique desde fevereiro. Manuel Chang está deito na África do Sul e enfrenta pedidos de extradição para ser julgado em Moçambique e nos Estados Unidos.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)