Dívidas ocultas: Novo acordo sem receitas de gás natural
Lusa
2 de junho de 2019
Moçambique renegociou títulos da dívida da EMATUM e, em novo acordo, afastou pagamento indexado às receitas de gás natural. Ministro das Finanças diz que alteração ocorreu devido à posição da sociedade.
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O ministro das Finanças de Moçambique justificou a retirada das futuras receitas de gás natural da negociação com os credores das dívidas ocultas do Estado devido à posição da sociedade.
"O acordo de princípio [de novembro] falava de um instrumento indexado às receitas do gás. Fomos renegociar isso porque é um instrumento novo e é muito difícil para a sociedade perceber" a sua inclusão, referiu Adriano Maleiane, acerca do novo acordo anunciado na sexta-feira. "Fomos renegociando e foi possível retirar esse instrumento", sublinhou.
O governante falava aos jornalistas, no sábado (01.06), na cidade da Beira, à margem da conferência internacional de doadores para a reconstrução após os ciclones deste ano, em Moçambique.
"Serviço de dívida melhor"
Como compensação pela retirada de receitas indexadas à exploração de gás natural, foi sendo revista a taxa de juro a pagar, que se fixou "em 5% nos primeiros cinco anos e 9% depois", abaixo dos 10,5% dos títulos atuais, que caíram em incumprimento. "No conjunto, temos um serviço de dívida melhor e era disso que nós precisávamos", considerou.
O Governo moçambicano e uma maioria de detentores dos títulos ('eurobonds') da empresa pública EMATUM esperam que o acordo de reestruturação da dívida seja implementado no prazo de três meses.
Os portadores vão ser convidados a trocar os atuais títulos por uma nova série com maturidade a 15 de setembro de 2031. E o valor da nova emissão é de 900 milhões de dólares e, segundo o novo acordo, já não inclui instrumentos de valorização (VRI - Value Recovery Instruments) indexados às futuras receitas de gás natural das áreas de exploração 01 e 04, no Norte de Moçambique - VRI previstos numa primeira versão do acordo, anunciada em novembro.
O gás natural vai começar a ser explorado na bacia do Rovuma a partir de 2022 e prevê receitas avultadas para o Estado.
Novo acordo
No entendimento anunciado na sexta-feira, propõe-se uma taxa de juro anual de 5% até 15 de setembro de 2023 e de 9% posteriormente até à data de maturidade, sendo juros semestrais entregues a 15 de março e 15 de setembro de cada ano, com início em 2020.
O resgate prevê oito prestações semestrais iguais de 112,5 milhões de dólares cada em 15 de março e 15 de setembro dos anos 2028, 2029, 2030 e 2031.
Para além das novas obrigações, na data de conclusão da reestruturação, Moçambique fará um pagamento em dinheiro aos obrigacionistas elegíveis até um total de 40 milhões de dólares, composto por uma taxa de consentimento e um pagamento por troca.
Os atuais títulos da EMATUM venceriam em 2023 com uma taxa de 10,5%, mas o Estado deixou-os cair em incumprimento ('default').
As investigações judiciais implicam a empresa pública de pesca de atum no escândalo financeiro das dividas ocultas do Estado moçambicano, que ascendem a 2,2 mil milhões de dólares e incluem ainda as empresas estatais ProIndicus e MAM.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)