Consultora sul-africana ISS Studies considera que principais políticos moçambicanos envolvidos no escândalo das dívidas ocultas não serão julgados nem condenados, incluindo o atual Presidente da República, Filipe Nyusi.
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Segundo considerou a consultora sul-africana ISS Studies nesta quarta-feira (05.01), "apesar das provas em contrário de que o atual Presidente da República, Filipe Nyusi, beneficiou de pagamentos ilegais, ele não é um réu no caso, nem sequer vai testemunhar como testemunha", afirmam.
Isso, mesmo que "a oposição no país [tenha] contestado a ausência de Nuysi no tribunal", acrescentou o analista Borges Nhamirre, num texto com o título 'Principais políticos de Moçambique devem escapar à justiça'.
A consultara explicou ainda que "Nyusi, era ministro da Defesa na altura, responsável pela coordenação dos projetos de proteção costeira" no início da década passada, quando foram contraídos empréstimos à margem da lei e que afundaram a economia do país.
Processo
Em causa está o processo que corre nos tribunais moçambicanos sobre os empréstimos contraídos por empresas públicas para a compra de material de vigilância marítima.
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Eles foram feitos sem o conhecimento da Assembleia da República e dos doadores internacionais, o que precipitou o país numa crise financeira e abrandou o crescimento económico, arredando-o do financiamento internacional.
"Os mais próximos de Guebeza [Presidente da República na altura dos empréstimos, em 2013 e 2014], incluindo o seu filho mais filho, Armando Ndambi Guebuza, a sua assistente pessoal, Maria Inês Moiane, e o conselheiro político Renato Matusse, estão entre os 19 acusados em julgamento por terem recebido milhões de dólares em subornos, mas o próprio Guebuza parece intocável", escreve o analista.
E ele aponta que "parece improvável que o Presidente não tenha tido conhecimento das irregularidades", disse.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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"Falhanço dos responsáveis"
De acordo com a análise da ISS, mesmo sem a presença dos principais líderes políticos no banco dos réus, o julgamento mostra "o falhanço dos responsáveis pelo Estado no cumprimento dos seus papéis, incluindo o antigo governador do banco central Ernesto Gove, que admitiu que aprovou contratos ilegais de dívida".
O seu comportamento "é característico das redes de clientelismo nos regimes onde os nomeados defendem os interesses dos seus chefes, mesmo que tenham violado a lei e comprometido o futuro do país; para além do clientelismo político, a natureza altamente corrupta do regime de Maputo facilitou a contração destas dívidas", conclui-se na análise.
O julgamento que decorre em Maputo "mostrou a extensão da corrupção e do clientelismo político e como minaram a governação em Moçambique, e também parece evidente que os principais réus, incluindo os antigos diretores do serviço de inteligência e o filho do antigo Presidente não vão escapar à prisão e à compensação ao Estado", diz o documento.
"Mas até agora os principais responsáveis políticos - aqueles que decidirem contrair as dívidas e escondê-las do Parlamento, estão a escapar à justiça", explicam, "o que parece vincar a ideia da sociedade civil de que Manuel Chang [antigo ministro das Finanças que validou os empréstimos] não vai realmente enfrentar a justiça em Moçambique".
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.