Dívidas ocultas: Nyusi não respondeu a notificação judicial
Lusa
12 de novembro de 2021
O grupo Privinvest afirmou no Tribunal Superior de Londres que o Presidente de Moçambique está em "incumprimento", pois não respondeu à notificação judicial sobre as alegações de envolvimento no caso das dívidas ocultas.
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O grupo Privinvest afirmou esta sexta-feira (12.11) no Tribunal Superior de Londres que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, está em "incumprimento", porque não respondeu à notificação judicial sobre as alegações feitas ao seu envolvimento no caso das chamadas dívidas ocultas.
O advogado que representa o grupo naval libanês no processo em curso no Tribunal Comercial, parte do Tribunal Superior de Londres (High Court), Duncan Mathews, disse, numa audiência preliminar, que o prazo de resposta era quinta-feira (11.11).
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Banco pede acesso a "arca do tesouro" de Nyusi
O Presidente da República moçambicano foi notificado a 19 de outubro em Moçambique pela Privinvest sobre o processo que decorre na Justiça britânica, onde Filipe Nyusi é referido como "quarta parte (fourth party)". A Privinvest alega que Nyusi beneficiou de pagamentos, incluindo para financiar a sua campanha eleitoral às eleições presidenciais em 2014, e teve um papel central na criação e "subsequente sabotagem" dos projetos da empresa em Moçambique.
Na audiência, destinada apenas a discutir questões processuais, o Credit Suisse pediu acesso aos documentos do julgamento em Moçambique, nomeadamente, "extratos bancários, cartas, notas, memorandos". Segundo o advogado do banco, Andrew Hunter, o conjunto dos documentos são uma "arca do tesouro" e "importantes" para construir os seus argumentos, no que foi apoiado pela Privinvest.
Porém, o representante da Procuradoria-Geral da República de Moçambique, Joe Smouha, alegou que os documentos estão sujeitos a "confidencialidade criminal".
O julgamento que decorre em Maputo sobre este caso desde agosto é "suposto terminar em janeiro de 2022", adiantou. O julgamento no Tribunal de Londres está previsto começar em outubro de 2023 e durar pelo menos três meses, devendo na altura também abordar a questão da imunidade diplomática de Nyusi.
Iniciado pela Procuradoria-Geral de Moçambique em 2019, pretende tentar anular a dívida de 543 milhões de euros da empresa estatal Proindicus ao banco Credit Suisse e obter uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo das dívidas ocultas.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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"Buraco" de 2 mil milhões de euros
Em causa estão as dívidas ocultas do Estado moçambicano de cerca de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas ProIndicus, Ematum e MAM. O financiamento destinava-se à aquisição de barcos de pesca do atum e para equipamento, e serviços de segurança marítima fornecidos pelas empresas da Privinvest numa altura em que Filipe Nyusi era ministro da Defesa.
Moçambique alega que o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, não tinha autoridade para assinar as garantias soberanas e que estas são inconstitucionais e ilegais, porque o Parlamento de Moçambique não aprovou os empréstimos.
A Privinvest, que nega qualquer irregularidade, pode ser condenada a pagar indemnizações se ficar provado que fez pagamentos corruptos a funcionários do Estado moçambicano. O antigo Presidente da República Armando Guebuza, o filho mais velho, Armando Ndambi Guebuza, o antigo ministro Manuel Chang, o antigo diretor de Inteligência Económica dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) António Carlos do Rosário e o antigo diretor do SISE Gregório Leão também estão nomeados no processo.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)