Esta sexta-feira, Bruno Langa remeteu-se ao silêncio face às perguntas da Ordem dos Advogados. Para o Centro para a Democracia e Desenvolvimento, "o poder judicial tem medo do poder político".
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O réu Bruno Langa, 44 anos, ignorou as 27 perguntas da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM). Limitou-se a dizer: "não vou responder a essa pergunta".
A Ordem, que auxilia o Ministério Público (MP) no julgamento, queria saber se o réu cometeu o crime de tráfico de influências.
Segundo a acusação, Bruno Langa teria levado a brochura sobre o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE) da empresa Privinvest a Ndambi Guebuza para que este pudesse influenciar o pai, o ex-Presidente Armando Guebuza, a aprovar a proposta.
Aliás, a procuradora Ana Sheila Marrengula exibiu na quinta-feira (02.09) um e-mail do negociador da Privinvest, Jean Boustani, que tinha como destinatário o filho mais velho do ex-chefe de Estado, com cópia para o réu Bruno Langa.
"Porque é que Jean Boustani tinha que o copiar num e-mail que foi enviado a Armando Ndambi Guebuza, que diz: 'Este é o relatório que lhes foi enviado pelo nosso gestor que foi a Maputo. Por favor envie ao teu pai. O que fazemos agora? Aguardo por ti'", confrontou a procuradora.
"Eu não sei porque é que ele copiou, digníssima. [...] Desculpa digníssima, qual é a data? Eu já não tinha relacionamento com a Privinvest, então era impossível ele ter mandado", esquivou-se o réu.
"Não vou responder à pergunta"
Por tudo isto, o causídico Filipe Sitoe, da Ordem dos Advogados de Moçambique, pediu esclarecimentos sobre o envolvimento de Bruno Langa no alegado crime: "Esperamos que responda. Bruno Langa, o senhor foi acusado e pronunciado de ter entregue uma brochura do grupo Prinvinvest a Armando Ndambi Guebuza para ser entregue ao Presidente da República. Confirma isso?"
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O arguido manteve a sua estratégia: "Não vou responder à pergunta".
A OAM questionou ainda Bruno Langa sobre supostas ameaças que teria sofrido na procuradoria durante a fase de instrução preparatória, denunciadas por ele na sessão de quinta-feira.
"Tem ciência de que fez graves acusações ao Ministério Público? Fez graves acusações ao seu advogado, fez graves acusações ao meritíssimo juiz de direito da secção de instrução criminal, o Dr. Délio Portugal. Tem ciência disso?"
Mais uma vez, a reação foi: "Não vou responder à pergunta".
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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"O poder judicial tem medo do poder político"
Duas semanas depois do início do julgamento, o diretor executivo da ONG Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), critica os procedimentos. Para Adriano Nuvunga, a forma como as perguntas são dirigidas aos réus levanta suspeitas.
"A avaliação que se faz é que o poder judicial tem medo do poder político. É só olhar para a forma como as perguntas são colocadas e para a forma como o juiz ficou quando viu o antigo presidente Guebuza a chegar ao tribunal, quando acompanhava o seu filho, quase perdeu o ar. Isso mostra que o poder judicial tem medo", diz Nuvunga.
Segundo o diretor do CDD, além dos 19 réus em julgamento, falta notificar os "grandes" suspeitos deste escândalo de corrupção, que lesou o Estado moçambicano em mais de 2,2 mil milhões de dólares.
Ele lembra que "o que está em julgamento agora é uma parte pequena. São pessoas importantes, mas vão conduzir apenas à recuperação de uma parte muito pequena. O que está em causa ali são as comissões que aqueles indivíduos receberam no processo da formulação do projeto". Mas, em última análise, o que se pretende saber neste caso é "quem autorizou o projeto, quem se beneficiou dessa autorização e como tudo isso defraudou o Estado", sublinha Nuvunga.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.