Dívidas ocultas: PGR marcará data para ouvir Guebuza
Lusa
23 de setembro de 2020
Segundo informação da agência Lusa, a audição de Armando Guebuza vai acontecer em data ainda a ser marcada, na sequência do assentimento dado pelo Conselho de Estado. Guebuza diz que é vítima "assassinato político".
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A Procuradoria-Geral da República de Moçambique (PGR) vai ouvir o antigo Presidente moçambicano Armando Guebuza no âmbito do processo das "dívidas ocultas", face à emergência de novos fatos, disse à agência Lusa uma fonte da instituição.
A confirmação surge depois de informações avançadas por órgãos de comunicação social no final da última semana, citando uma reunião do Conselho de Estado.
A fonte da PGR disse que a audição de Armando Guebuza vai acontecer em data ainda a ser marcada, na sequência do assentimento dado pelo Conselho de Estado para que o ex-Presidente da República seja interpelado - algo com que Guebuza concordou, embora dizendo-se alvo de "uma campanha de tentativa de assassinato político, com recurso ao aparelho judiciário", que gera "desconfiança", relatou a televisão STV.
A fonte não especificou a qualidade em que Armando Guebuza será ouvido pela PGR, nem o tipo de jurisdição dos autos correspondentes à audição, dado que correm processos em Moçambique, EUA e Inglaterra em relação ao caso.
Posição de Guebuza
Numa nota de análise, o Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização da sociedade civil moçambicana, considera como uma "questão curiosa" que Armando Guebuza teça críticas "num momento em que se encontra vulnerável e politicamente fragilizado" em relação a um órgão, a PGR, "que ajudou a construir com total confiança quando estava no comando da Presidência da República".
No texto, o CDD classifica a alegada posição de Armando Guebuza como "intimidação" e questiona se a PGR se irá vergar perante esta postura do antigo chefe de Estado.Caso seja ouvido, será a segunda vez que Armando Guebuza será interpelado pela PGR, depois de ter sido questionado pelo órgão após a descoberta do escândalo das "dívidas ocultas", um caso que veio à tona PGR moçambiqueem 2016.
Na altura, o antigo chefe de Estado também foi ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia da República criada para averiguar o caso. A Lusa não conseguiu obter uma reação do antigo Presidente moçambicano, nem do advogado da família, Alexandre Chivale, sobre as informações ligadas à audição.
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O escândalo
As dívidas ocultas estão relacionadas com empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) contraídos entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde a independência), liderado por Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Entre os 19 arguidos detidos em Moçambique sobressaem figuras do círculo próximo do ex-Presidente, tais como um dos filhos, Ndambi Guebuza, e a sua secretária pessoal, Inês Moaine.
O Ministério Público moçambicano acusa os arguidos de associação criminosa, chantagem, corrupção passiva, peculato, abuso de cargo ou função, violação de regras de gestão e falsificação de documentos, ainda sem julgamento marcado.
Entretanto, os EUA já promoveram em 2019 um julgamento do caso das dívidas ocultas pelo facto de o esquema financeiro ter passado pelo país e três antigos banqueiros do banco Credit Suisse deram-se como culpados de conspirar para lavagem de dinheiro.
A posição fez com que Moçambique desse entrada com uma ação judicial em Londres para anular a dívida de 622 milhões de dólares (552,6 milhões de euros) da ProIndicus ao Credit Suisse - uma das parcelas das dívidas ocultas, contraída através de uma filial inglesa do banco - e requerendo uma indemnização que cubra todas as perdas do escândalo das "dívidas ocultas".
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)