António Carlos do Rosário terá recebido mais de 9,4 milhões de euros da Privinvest, mas o ex-diretor da secreta moçambicana voltou a negar esta segunda-feira (18.10) provas apresentadas no julgamento das dívidas ocultas.
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O réu António Carlos do Rosário teria usado a Txopela Investiments para domiciliar valores indevidos pagos pelo Grupo Privinvest, através de uma empresa designada IRS, apontou esta segunda-feira o Ministério Público de Moçambique durante o julgamento das dívidas ocultas, em Maputo.
Do valor recebido, segundo a acusação, o antigo número dois da secreta moçambicana ordenou a transferência de mais de 900 mil euros a favor da empresa Deco Construções para a compra de frações autónomas num condomínio designado Paraíso de Férias, na marginal de Maputo.
"A ligação que se faz entre a IRS e o Grupo Privinvest não é real. Se há ligação, e pela coincidência de um dos ex-gestores da Privinvest, que porventura faleceu, ter estado ligado à IRS, em termos comerciais não existe nenhuma ligação entre a IRS e a Privinvest", disse o réu.
O ex-diretor da Inteligência Económica do Serviço de Infromações e Segurança do Estado (SISE) negou também ter comprado três imóveis inacabados na zona nobre de Maputo, no valor de mais de 450 mil euros transferidos pela Txopela para a Deco Construções.
"Sim, não confirmo. Se a Txopela pagou algo, é da Txopela. É caricato e acho que isso devia ser refletido na ata que, em pleno século XXI, com todos os meios disponíveis de registo de transações financeiras, principalmente que envolvem o dólar. Então, isto já me deixa tranquilo, já me esclarece de que afinal há aqui participação da Paraíso de Férias ou da Deco para construir uma narrativa", argumentou.
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Provas
No entanto, o Ministério Público mostrou provas disso, mas o réu não confirmou e disse ainda que tudo isso faz parte de um teatro para forçar a ideia de que é proprietário da empresa Txopela.
"Se assim for, é mais fácil dizer que a Txopela é que fez. Além de que esta carta foi apresentada no dia 11 de junho de 2020, um ano e quatro meses depois de ter estado preso. Então, não é difícil perceber qual é o clima. Embora só eles é que podem explicar as motivações para dizer essas coisas. Mas eu estando preso um ano e quatro meses, são me imputados esses fatos. Não faz sentido", justificou.
A magistrada do Ministério Público, Ana Sheila, confrontou também o réu com declarações do presidente do Conselho de Administração (PCA) da Txopela, Bilal Sidat, que teria recebido ordens de António Carlos do Rosário para transferir cerca de três milhões de dólares para a imobiliária IMOMOZ.
"Bilal Sidat, na altura PCA da Txopela Investimets, confirmou que transferiu cerca de três milhões de dólares e disse que fez as transferências por ordem do réu António Carlos do Rosário", disse Ana Sheila.
O Ministério Público disse que o representante da IMOMOZ confirmou a receção de dinheiro, mas o António Carlos do Rosário respondeu: "Não me recordo de ter dado esta instrução, mas para reavivar a memória peço o documento para eu ver, pode ser que eu consiga ver em que contexto".
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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Transferência
O Ministério Público prosseguiu com a pergunta sobre o propósito da transferência pela Txopela de 2,6 milhões de euros para a conta da empresa M. Moçambique Construções, do co-réu Fabião Mabunda, no interesse do casal Leão, também arguidos neste processo.
"Porque é que a Txopela, uma empresa criada pelo SISE no âmbito da criação da Zona Económica Exclusiva, transferiu valores para M.Moçambique Construções e os valores que foram transferidos foram aplicados no interesse do casal Leão, Ângela e Gregório Leão?"
António Carlos do Rosário primeiro explicou sobre a relação SISE e Txopela e, mais tarde, assumiu que fez algumas transferências. Mas depois, exigiu ver documentos para completar a resposta:
- Réu: "A Txopela não foi criada pelo SISE, essa é a primeira questão. Dois, a Txopela pertence a acionistas e a donos. Há valores que eu sei que autorizei por indicação dos acionistas da Txopela, por razões operativas, porque estávamos a precisar".
- MP: "O réu autorizou a quem?"
- Réu: "Ao Bilal porque era meu colaborador na Inteligência Económica. Por isso, quero ver papéis, porque eu lidava com pessoas para muitos assuntos".
O julgamento prossegue nesta terça-feira (19.10) e vai continuar com a audição pelo nono dia do réu António Carlos do Rosário.
O juiz que está a julgar o caso, Efigénio Baptista, determinou hoje o apuramento das circunstâncias do extravio de 34 páginas da acusação, conforme denunciou o Ministério Público. Enquanto isso, o tribunal vai recorrer a cópias dos autos que podem estar na posse do cartório.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.