Ex-diretor da secreta negou em tribunal ser titular de dois hotéis construídos com subornos das dívidas ocultas. António Carlos do Rosário disse que os empreendimentos pertencem à Txopela, do grupo Privinvest.
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O réu António Carlos do Rosário disse esta sexta-feira (15.10), durante o julgamento das dívidas ocultas, na capital moçambicana, que os hotéis dos quais é acusado ser dono em Boane, província de Maputo, e também na província de Tete pertencem à Txopela, empresa ligada à Privinvest - o grupo empresarial ligado a pagamentos de subornos.
O Ministério Público confrontou o antigo diretor da Inteligência Económica dos Serviços de Informações e Segurança do Estado (SISE) com declarações do dono da empresa que construiu os dois hotéis, a Wallid Construções, um cidadão argelino, seu amigo.
O hotel em Boane é multifuncional com lojas e centro de conferências num valor inicial de pouco mais de 1,5 milhões de dólares pagos pelo grupo Privinvest, cujas provas foram apresentadas pelos procuradores.
"Esta foi a informação que o senhor Momed Fequi facultou. E disse mais, para o pagamento das referidas obras, foi por instruções do senhor António Carlos do Rosário à Wallid Construções, que recebeu da Logistic International duas transferências no valor de 1.850.000 e 1.175.000 dólares", apontou o Ministério Público.
Réu alega confusão por parte da acusação
Mas o réu António Carlos do Rosário negou as alegações, tudo com fundamento de que houve confusão entre a carta dos advogados de Fequi Momed e do próprio Momed. "Quando fala do nosso cliente fica claro que não é Fequi que está a falar, mas sim os advogados dele. O que a digníssima leu é a carta dos advogados", disse.
E o Ministério Público confirmou: "Sim, é a carta dos advogados, por isso que disse informações, não disse declarações. Em representação do senhor Fequi".
No entanto, o réu António Carlos do Rosário respondeu que, com estas declarações, está-se à procura de contradições. "Meritíssimo ajudou-me com uma prova daquilo que sempre disse, que não trato de assuntos. Irei aos meus e-mails em que o advogado que trabalhava comigo e na altura tratava desses assuntos - e que era da Txopela - está a interagir com Fequi. Está a mostrar o Fequi que esse assunto é Fequi. Não é Rosário", reagiu.
E-mails como prova
Por seu turno, o juiz Efigénio Baptista explicou ao réu que o seu amigo Fequir Momed trocou e-mails que provam que António Carlos do Rosário era proprietário do hotel que foi comprado com dinheiro da Privinvest.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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"Nos autos, ele diz que o hotel é seu, porque o senhor é que foi ter com ele para construir, não diz que é Jean Boustani. Diz que o senhor António Carlos dos Rosário é que foi ter com ele para ele construir, ao contrário do que está a dizer agora. E depois, disse mais, que o senhor pagou a ele para construir aquele hotel e pagou através de transferências de dinheiro vindo da Privinvest para a conta dele", apontou o juiz da causa.
Mas o réu respondeu que tudo isso é um festival de "martelanço", referindo-se à falsidade dos e-mails.
"Eu começo a perceber, e como disse ontem, eu já não falava com ele mesmo estando fora, durante muito tempo, porque ele pensa que o hotel era meu. E eu deixei claro que o hotel não era meu. Se você não está a receber dinheiro como diz que não está, que quer mais por isto e por aquilo, já não se entende com os donos do hotel. Eu não tenho como interferir", disse.
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Acusação
O antigo diretor da Inteligência Económica do SISE e que era também diretor das três empresas beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas é acusado de ter recebido subornos no valor de 8,9 milhões de dólares pelo seu papel no projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva e criação das companhias.
A justiça considera que as empresas e o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva foram usadas como ardil para a mobilização dos referidos empréstimos.
A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas de se terem associado em "quadrilha" e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) - valor apontado pela Procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo entre 2013 e 2014.
António Carlos do Rosário volta na próxima segunda-feira (18.10) para continuar a ser interrogado pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo pelo seu papel no caso das dívidas ocultas.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.