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Estado de DireitoMoçambique

Seriam os "intermediários" do esquema privilegiados?

23 de setembro de 2021

Especialista espera punições diferentes para "intermediários" do esquema. Versões dos réus dariam a entender que orquestradores da violação das normas administrativas não se beneficiaram diretamente dos bens públicos.

Mosambik Maputo Gerichtsverfahren wegen versteckter Schulden
Foto: Romeu da Silva/DW

Em Moçambique, esperam-se penas menos pesadas para os réus externos ao sistema público, que não "meteram a mão" diretamente no dinheiro do Estado no caso das dívidas ocultas.

O mesmo não se pode dizer dos responsáveis do Estado envolvidos, embora alguns deles nem sequer tenham sido chamados como declarantes, o que faz com que muitos analistas ponham o julgamento sob suspeição. Em entrevista à DW, o especialista em administração pública, Egídio Guambe, comenta relativamente à aparente "posição privilegiada" dos que agiram como "intermediários" no maior esquema de corrupção que se tem notícia em Moçambique.

DW: Que pode deixar alguns réus ouvidos há pouco tempo no caso das dívidas ocultas numa situação relativamente privilegiada é o facto de não terem "metido a mão" no dinheiro do Estado, pelo menos não diretamente.

Egídio Guambe (E.G): Concordo plenamente. Do ponto de vista administrativo, e não do jurídico, há uma ideia de que houve uma pretensão de tocar aos recursos que eram diretos ao Estado. Esperamos que os próximos réus possam esclarecer muito bem como que, a nível dos termos de administração, tirou-se bens.

Egídio Guambe, especialista em administração públicaFoto: Privat

Mas esses, apesar de terem sido orquestradores da violação das normas administrativas, não se beneficiaram diretamente dos bens do Estado, pelo menos no exposto até agora. O juiz é quem sabe e interpreta sobre a questão da penalização, mas não vai ser a mesma pena de quem violou diretamente os bens do Estado.

DW: Alguns dos altos funcionários públicos que carimbaram estas dívidas não constam na lista do tribunal para serem ouvidos. Nesses moldes, pode-se falar num julgamento justo?

E.G.: Acho que a essência desse julgamento é a coragem da justiça de enfrentar a pujança política. Obviamente tem arranjos no meio disso, contudo, eu penso que a justiça tem de ter uma coragem para seguir com o processo. E me parece que só está a começar.

Têm muitos elementos que estão a ser encurralados. Provavelmente desses altos funcionários, alguns inclusive que já representaram o Estado como órgão de soberania e outros que ainda o fazem podem vir a ser elementos de interpretação jurídica ou pelo menos ouvidos.

Audição de Ndambi GuebuzaFoto: Romeu da Silva/DW

DW: Nesse momento em que decorre o julgamento do caso das dívidas ocultas, o Presidente Filipe Nyusi tem reforçado o seu discurso a favor do combate à corrupção. Enquanto isso, a população vai se entretendo, acompanhando esse julgamento. Acha que esse momento pode vir a ser aproveitado para distrair as atenções do essencial neste caso?

E.G.: Sim. O sistema administrativo moçambicano não é tão emancipado quanto se pode pensar. Ele não tem uma autonomia. Na verdade, o sistema administrativo tanto como o de justiça, além de outros, são sistemas pilotados por ações políticas. Por consequência, obviamente as narrativas dos atores políticos influentes nesse momento vão tentar desviar a atenção ao essencial.

Mas, é preciso reconhecer que este processo está sendo acompanhado pela sociedade. O único processo similar na história de Moçambique foi a alguns anos na morte de jornalista, mas não tão mediatizado como esse na era das redes sociais, além da monitoria muito direta ao sistema de justiça.

Eu acredito que mesmo essas narrativas de desvio de atenção se produzam, elas não são muito relevantes para influenciar o que a população moçambicana está a acompanhar.

Se for bem gerida, essa fase pode servir de viragem do sistema judicial ao administrativo moçambicano vis-à-vis um sistema político que está num esgotamento total.

Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza

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