Dívidas ocultas: Sociedade civil moçambicana vai à ONU e G20
Lusa
16 de novembro de 2018
Cinco organizações não governamentais de Moçambique anunciaram que vão recorrer às Nações Unidas e ao G20 depois que o regulador financeiro britânico desvalorizou a investigação sobre as dívidas ocultas.
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A decisão da Financial Conduct Authority (FCA), noticiada na semana passada pelo jornal Financial Times, "é mais uma evidência de que a comunidade internacional não vai responsabilizar os seus próprios bancos, que são responsáveis pela dívida" de duas empresas públicas moçambicanas.
O documento enviado às redações é assinado pelo Fórum de Monitoria do Orçamento, Observatório do Meio Rural, Centro de Integridade Pública, Instituto de Estudos Sociais e Económicos; e Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil, cinco organizações representativas da sociedade civil moçambicana.
O grupo anuncia que, para além de entrar em contato com os reguladores e governos da Suíça, Reino unido e Estados Unidos, vai recorrer à ONU e ao G20 para "registar as preocupações de que que a conduta dos reguladores pode não estar a apoiar a Agenda para o Financiamento do Desenvolvimento, tal como foi definido no plano de ação" que foi aprovado em Adis Abeba.
"Questionamos agora a sinceridade do Reino Unido e de outros doadores, e duvidamos do seu empenho real na boa governação em Moçambique, porque a comunidade internacional considera que só os líderes e o povo de Moçambique são responsáveis por esta dívida, e exoneram os que estão por trás dela", lê-se no comunicado.
Decisão
A decisão do regulador financeiro britânico, que segundo o jornal Financial Times, resolveu desvalorizar a investigação criminal, passando-a a uma investigação regulatória, sem direito a pena de prisão, e apenas uma sanção ou multa, "está em linha com outras organizações internacionais e agências de doadores, que deixaram de exigir transparência na questão das dívidas secretas".
Muito críticos da atuação do Credit Suisse e dos bancos envolvidos na transação, estas organizações moçambicanas dizem que "os processos de 'compliance' e de risco [do banco] são inadequados e contribuíram para a crise da dívida moçambicana", e acrescentam que devido à subida do endividamento por parte dos países mais pobres, nomeadamente na África subsaariana, "a falta de sanções à conduta do Credit Suisse vai contribuir para a manutenção de um comportamento predatório por parte desses bancos, para a promoção da instabilidade no sistema financeiro e para o desencorajamento de empréstimos responsáveis".
Moçambique: O que foi feito ao dinheiro destas obras?
É a pergunta de vários cidadãos de Massinga, província moçambicana de Inhambane. Cada vez há mais obras na vila, que nunca chegam ao fim.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras atrasadas
As obras arrastam-se no município de Massinga, sul de Moçambique, e os cidadãos querem saber porquê. Os empreiteiros ganham obras de construção civil na região, mas muitas são abandonadas após ser pago 50% do dinheiro para a sua execução, segundo o Conselho Municipal. A Justiça já notificou alguns empreiteiros para explicarem os atrasos, mas as estradas e avenidas continuam em péssimas condições.
Foto: DW/L. da Conceição
Mercado por construir
A União Europeia e a Suécia financiaram a construção de um mercado grossista em Massinga. Segundo a placa de identificação, as obras começaram a 28 de setembro de 2017 e deviam ter terminado a 28 de janeiro, mas até agora estão assim. O município remete as responsabilidades para o empreiteiro; contactada pela DW, a empresa negou explicar o motivo do atraso nas obras.
Foto: DW/L. da Conceição
Jardim perdido
O Conselho Municipal de Massinga gastou mais de 1,5 milhões de meticais (20.000 euros) para construir aqui um jardim etnobotânico - um projeto com a participação do Governo central e da Universidade Eduardo Mondlane. Mas as plantas colocadas aqui desapareceram e o terreno está abandonado. O Município promete que o jardim voltará a funcionar em breve, embora falte água para regar as plantas.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada sem fim à vista
Os trabalhos neste troço de cinco quilómetros duram há mais de três anos. O município de Massinga culpa o empreiteiro pela demora; a DW tentou contactar a empresa, sem sucesso. Segundo o município, aos 4,8 milhões de meticais (63 mil euros) pagos inicialmente ao empreiteiro foram acrescentados outros 3,9 milhões (51 mil euros) para continuar as obras, que deviam ter terminado em outubro.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada acabada?
25 de setembro de 2017 era a data de "entrega" desta estrada, segundo a placa de identificação. Mas a via, que parte da EN1 até ao povoado de Mangonha, continua em estado crítico. A obra está orçada em cerca de 1,9 milhões de meticais (quase 25 mil euros). Tanto a Administração Nacional de Estradas, delegação de Inhambane, como o Conselho Municipal recusaram comentar este assunto.
Foto: DW/L. da Conceição
Mais obras por acabar
Os trabalhos da pavimentação desta avenida também já deviam ter terminado, mas as obras continuam. O custo: cerca de 3,9 milhões de meticais (cerca de 51 mil euros). Mas a avenida continua por pavimentar. A DW tentou perguntar o motivo da demora à empresa Garmutti, Lda, responsável pela execução da obra, sem sucesso.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta transparência
Segundo o regulamento de contratação de empreitadas de obras públicas, nos locais de construção devem constar as datas de início e do término dos trabalhos. Mas não é isso que acontece aqui. Segundo um relatório do governo local, um ano depois desta obra começar, só 30% dos trabalhos foram concluídos. O empreiteiro está incontactável; a empresa não tem escritório em Inhambane.
Foto: DW/L. da Conceição
Fatura sobre fatura
O orçamento inicial para os trabalhos de reabilitação no Hospital Distrital de Massinga rondava os dois milhões de meticais (cerca de 26 mil euros), mas, meses depois, o custo aumentou 600 mil meticais (8.000 euros).
Foto: DW/L. da Conceição
Edifício milionário
Este edifício custou à edilidade mais de 40 milhões de meticais (acima de 500 mil euros), sem contar com os equipamentos novos - cadeiras, secretárias ou computadores. Alguns empreiteiros acham estranho que tenha custado tanto dinheiro, porque o material de construção foi adquirido na região. Em resposta, o município justifica os custos com a necessidade de garantir o conforto dos funcionários.
Foto: DW/L. da Conceição
Adjudicações continuam
O município de Massinga continua a adjudicar novas empreitadas apesar de muitas obras não terem terminado. Vários residentes dizem-se enganados pelo edil, Clemente Boca, por não cumprir as promessas eleitorais.
Foto: DW/L. da Conceição
Campo por melhorar
Todos os anos, a Assembleia Municipal de Massinga aprova dinheiro para melhorar este campo de futebol, mas o campo continua a degradar-se. Segundo membros da assembleia, o dinheiro "sai" dos cofres públicos, mas nada muda e os jogadores "sempre reclamam". Em cinco anos, terão sido gastos 30 mil meticais (cerca de 400 euros). Nem o edil, nem os gestores do campo dizem o que foi feito ao dinheiro.
Foto: DW/L. da Conceição
"Fazemos sozinhos"
Devido à demora na construção de mercados e bancas, os residentes da vila de Massinga têm feito melhorias por conta própria, para manterem os seus produtos em boas condições. Questionados pela DW, os vendedores disseram que preferem "fazer sozinhos", porque se esperarem pelo município nunca sairão "do sol, da chuva e da poeira".