Dívidas ocultas: FMO quer julgamento o mais rápido possível
Leonel Matias (Maputo)
9 de junho de 2020
O Fórum de Monitoria do Orçamento, em Moçambique, defende o início rápido do julgamento das "dívidas ocultas". Posição foi reiterada esta terça-feira, depois de tribunal de recurso manter a acusação contra 19 arguidos.
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O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma plataforma da sociedade civil moçambicana composta por 20 organizações, defende o início - o mais rapidamente possível - do julgamento do processo relativo às dívidas ocultas.
As dívidas foram contraídas por três empresas públicas moçambicanas (EMATUM, MAM e ProIndicus) com garantias do Governo sem o conhecimento do Parlamento, lesando o Estado moçambicano num montante equivalente a dois mil milhões de euros.
Arguidos
Fazem parte do grupo dos 19 arguidos Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, Inês Moiane, antiga Secretária particular do então chefe de Estado, Gregório Leão, antigo diretor do Serviço de Informação e Segurança do Estado, e António do Rosário, ex-PCA das três empresas.
Os arguidos encontram-se detidos enquanto aguardam o julgamento, indiciados pela prática dos crimes de associação criminosa, chantagem, corrupção passiva, peculato, abuso de cargo ou função, violação de regras de gestão e falsificação de documentos.
Entretanto, o Tribunal Superior de Recurso de Maputo decidiu despronunciar a arguida Márcia Namburete e ordenar a sua soltura, alegando haver dúvidas quanto à sua participação nos crimes de que vinha indiciada.
À DW África, o diretor do FMO e coordenador do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, disse estar satisfeito com a decisão do Tribunal Superior de Recurso.
Em relação à pessoa despronunciada, Nuvunga referiu que compreende os argumentos apresentados. "Não temos uma reclamação sobre esta pessoa", acrescentou.
FMI recomenda:"Não escondam as dívidas como Moçambique"
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Julgamento poderá começar este ano
Informações indicam que o julgamento do caso das "dívidas ocultas" poderá começar ainda este ano. Adriano Nuvunga diz querer "ver o processo julgado de forma organizada, transparente, com acesso público e o mais rapidamente possível".
Nuvunga espera ainda que, em relação a "outras pessoas, que estão a passear nas ruas e que sabemos ter ligação com o caso das 'dívidas ocultas', também se abram processos autónomos, para serem responsabilizadas o mais rapidamente possível".
As autoridades moçambicanas apontam o ministro das Finanças na altura da contração das dívidas, Manuel Chang, como uma peça importante no caso. Chang está detido na África do Sul e aguarda uma decisão sobre a sua extradição, disputada por Moçambique e pelos Estados Unidos da América.
"A não vinda de Manuel Chang a Moçambique, sobretudo o seu julgamento fora [do país], é importante para ajudar a compreender melhor o problema", considerou Nuvunga.
O diretor do FMO reiterou também a posição da organização, segundo a qual os moçambicanos não devem pagar esta dívida.
"O mais alto órgão da Justiça Constitucional em Moçambique já disse que essa dívida não existe. Portanto, os moçambicanos não têm que se preocupar com ela, o Estado moçambicano está livre. Aqueles que a cometeram e implicaram o Estado, que sejam responsabilizados, porque são conhecidos."
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)