Considerado uma das figuras-chave no processo das dívidas ocultas, o arguido Teófilo Nhangumele admitiu hoje em tribunal que Ndambi Guebuza terá recebido 33 milhões de dólares da Privinvest e ele próprio oito milhões.
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Esta quinta-feira (26.08), a audiência de Teófilo Nhangumele durou pouco mais de dez horas. Nhangumele identificou-se como intermediário no negócio entre o Governo moçambicano e a Privinvest, uma das empresas envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.
Em tribunal, o arguido negou ter sugerido o pagamento de "luvas" para que as entidades governamentais flexibilizassem a criação de um projeto para a proteção da Zona Económica Exclusiva, de que a Privinvest e outras empresas tirariam proveito.
"Massajar o sistema" não foi uma sugestão sua, reiterou Nhangumele. O Ministério Público perguntou o que isso significa.
"É facilitar as coisas", respondeu o réu.
"Uma das maneiras de fazer com que as pessoas percebam o que nós queremos implementar é levá-las a viajar para verem as potencialidades e os equipamentos. Esse é que era o pensamento. Massajar o sistema é exatamente isso", argumentou Teófilo Nhangumele. "Por exemplo, se queremos obter uma aprovação do Governo, podemos levar membros do Governo a assistir a uma conferência internacional sobre pirataria. Então, ao processo de educar as pessoas de modo a tomar decisões informadas e lúcidas chama-se massajar o sistema", acrescentou.
Pagamento de subornos
O Ministério Público entende que "massajar o sistema" foi um esquema de pagamento de subornos a entidades governamentais para que o projeto fosse aprovado.
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Ana Sheila, magistrada do Ministério Público, apresentou como prova um e-mail que o réu teria trocado com o negociador da Privinvest, Jean Boustani, mas Nhangumele negou a sua autoria.
"Não, esta resposta não é minha", afirmou.
"Parece que a resposta vem do Jean [Boustani], segundo aquilo que entendi da leitura. Eu tenho e-mails. Essa resposta aqui é do Jean Boustani", insistiu o réu.
A proposta de "massajar o sistema" não terá avançado porque a Privinvest teria afirmado que todos os pagamentos seriam efetuados apenas depois da concretização do projeto.
Dividir 50 milhões de dólares
O Ministério Público exibiu um outro e-mail, trocado entre Boustani e Nhangumele, onde se sugeria a divisão de 50 milhões de dólares entre Nhangumele e os co-arguidos Armando Ndambi Guebuza e Bruno Langa.
Nhangumele disse em tribunal que Ndambi Guebuza, o filho mais velho do ex-Presidente Armando Guebuza, recebeu 33 milhões de dólares da Privinvest.
"Confirmo. Confirmo que escrevi isso no e-mail, sim", afirmou o réu.
O próprio Nhangumele teria recebido oito milhões de dólares. A acusação quis saber o que ele fez para receber esse dinheiro.
"Eu fiz um trabalho de facilitação. Uma das coisas que demonstra que fiz a ponte é que a Privinvest teve contactos com as autoridades governamentais – isso, doutora Sheila, pode valer quinhentos [milhões] assim como pode valer um bilião [mil milhões] de dólares. Não há nenhum preço de mercado que possa ser consultado" para se chegar ao valor do trabalho, respondeu o arguido, admitindo o recebimento do valor.
Em alguns e-mails trocados entre Boustani e Nhangumele, Ndambi Guebuza era chamado de "Cinderela", António Carlos do Rosário, ex-diretor da inteligência económica da "secreta", era chamado de "Bang", e Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, era chamado de "Yellow Man" ou "Chopstick".
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.