Começou a ser lida a sentença do caso das dívidas ocultas, que lesou o Estado moçambicano em mais de 2,2 mil milhões de dólares. A sentença tem um total de 1.388 páginas, que deverão ser lidas em cinco dias.
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O julgamento, que teve início no dia 23 de agosto de 2021, envolve 19 arguidos acusados de peculato, associação para delinquir e branqueamento de capitais, entre outros crimes.
"Regularmente, foram notificados os réus e seus mandatários judiciais do acórdão prolatado pela secção criminal do Tribunal Supremo, designou-se a data para a realização da audiência e discussão em julgamento e a mesma realizou-se com a mais rigorosa observância de todo o formalismo legal aplicado, segundo as atas respetivas junto aos autos", enumerou.
Ex-Presidente Armando Guebuza na assistência
Atento ao início da leitura da sentença estava Isálcio Mahanjane, advogado dos réus António Carlos do Rosário e Armando Ndambi Guebuza, filho mais velho do antigo chefe de Estado Armando Guebuza, igualmente entre os assistentes.
Mahanjane disse que, durante o julgamento, fez tudo o que pôde para ilibar os seus clientes, que rejeitam as acusações do Ministério Público, alegando falta de provas. E não excluiu um recurso.
"Agora, é o tribunal quem tem que decidir e, porque estamos num Estado de Direito, há mecanismos, caso a gente não concorde com a decisão, para atacar essa decisão."
O advogado Alawé Ndobe, que defende o réu Zulficar Mohamed Ismail, disse que aguarda com muita tranquilidade a leitura da sentença: "Não há muita matéria agora para falar. Vamos esperar pela sentença e, depois, teremos certamente muita matéria para falarmos".
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Factos comprovados
No início da leitura da sentença, o juiz começou por destacar alguns dos factos provados durante o julgamento para cada um dos 19 réus envolvidos no escândalo de corrupção.
O esquema em causa envolveu projetos de pesca e proteção marítima das empresas públicas EMATUM, ProIndicus e MAM, fornecidos pelo grupo Privinvest, no âmbito da Zona Económica Exclusiva.
Sem o conhecimento do Tribunal Administrativo e do Parlamento, as autoridades moçambicanas pediram empréstimos de mais de 2,2 mil milhões de dólares, concedidos pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia. Mas os projetos não se materializaram. Para o Ministério Público, tratou-se de um roubo ao Estado.
Suborno e corrupção
Esta quarta-feira, o juiz disse que ficou provado que os réus Teófilo Nhangumele e Bruno Langa envolveram Ndambi Guebuza para este interceder junto ao seu pai, Armando Guebuza, para receber os documentos sobre as potencialidades do grupo Privinvest para a solução da proteção da Zona Económica Exclusiva.
Ndambi Guebuza terá exigido em troca que lhe fosse pago algum valor para influenciar o seu pai.
O tribunal também considerou provado que Nhangumele entrou então em contacto com Jean Boustani, na altura negociador da Privinvest, para lhe pedir que reservasse 50 milhões de dólares "para massajar o sistema, referindo-se a pagamentos de subornos por forma a conseguir maior flexibilidade de Moçambique".
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.