Dívidas ocultas: Um jovem ministro e a extradição de Chang
Milton Maluleque (Joanesburgo) | Lusa
16 de julho de 2019
Novo ministro sul-africano da Justiça, Ronald Lamola, foi contra decisão do antecessor e submeteu à Justiça um pedido para rever a extradição de Manuel Chang para Moçambique. Analista fala em lufada de ar fresco no caso.
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O novo ministro sul-africano da Justiça e dos Serviços Correcionais, Ronald Lamola, submeteu nesta segunda-feira (15.07.) ao Tribunal Superior de Joanesburgo um pedido para rever a decisão de extraditar Manuel Chang para Moçambique - uma decisão anunciada em maio pelo antecessor de Lamola, o ministro Michael Masutha.
Lamola fundamenta o pedido afirmando que recebeu documentos adicionais da sociedade civil moçambicana, nomeadamente do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), alegando que o ex-ministro moçambicano Manuel Chang, acusado de crimes financeiros, ainda goza de imunidade como parlamentar moçambicano. Por isso, enviar Chang para Moçambique violaria o Protocolo de Extradição da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a Constituição sul-africana.
O novo ministro sul-africano, de 35 anos, tem dois mestrados na área da Justiça e foi vice-presidente da Liga Juvenil do partido no poder, o Congresso Nacional Africano (ANC), na altura em que foi liderado pelo controverso político Julius Malema.
Lamola é um rosto jovem da política sul-africana, sem vínculos a "condicionalismos históricos" que poderiam "influenciar o regresso de Manuel Chang a Moçambique", diz a pesquisadora da Universidade Joaquim Chissano em Maputo, Egna Sidumo.
O ministro tem assim, segundo Sidumo, "uma oportunidade de trazer uma visão diferenciada de como deve ser dirigido o processo de extradição, ou não, de Manuel Chang".
Processo de volta à Justiça
A investigadora Egna Sidumo defende que o Protocolo da SADC foi usado como trunfo no argumento da defesa moçambicana para levar Chang a Moçambique, mas que está a ser desmontado pelo atual ministro sul-africano da Justiça.
"Voltamos àquela ideia de que esta era uma decisão política que dependia muito da subjetividade e da visão do ministro sul-africano", afirma. "Temos uma nova figura política que tem uma visão totalmente diferente sobre a decisão anterior que tinha sido tomada pelo antigo ministro, que sabíamos que tinha alguma ligação a algumas figuras históricas do próprio ANC e também da FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique, no poder]".
Dívidas ocultas: Um jovem ministro e a extradição de Chang
Imunidade continua
Enquanto isso, em Maputo, a presidente da Assembleia da República moçambicana, Verónica Macamo, disse, que não foi pedido o levantamento da imunidade parlamentar do deputado e ex-ministro das Finanças Manuel Chang, porque não há despacho de pronúncia.
Macamo sublinhou que Chang ainda goza de imunidade em face de qualquer procedimento jurídico-penal, na qualidade de deputado da FRELIMO. E reconheceu que a Comissão Permanente da Assembleia da República de Moçambique pode ter cometido uma falha ao permitir consentir que a Procuradoria-Geral da República tenha pedido a extradição de Manuel Chang da África do Sul para Moçambique sem ter sido levantada a imunidade do deputado, como exige da Constituição da República e o Estatuto do Deputado.
Lufada de ar fresco
Segundo o académico e ativista da sociedade civil moçambicana Hélio Guiliche, a decisão de rever a extradição de Manuel Chang, despoletada por um pedido do FMO, muda o rumo do processo.
É "uma espécie de revés, porque […] tudo dava a entender que o antigo ministro das Finanças moçambicano seria efetivamente extraditado para Moçambique", diz.
Guiliche acredita que "se a exposição for lida taxativamente, como é feita, vamos estar a incorrer numa situação em que houve em algum momento falta de verdade por parte do Executivo moçambicano para com o Governo sul-africano”.
O Tribunal Superior de Joanesburgo ainda não marcou a data para a audição da petição do FMO.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)