Dívidas ocutas: Juri dos EUA adia veredicto sobre Boustani
Lusa | cvt
23 de novembro de 2019
O júri do julgamento de Jean Boustani, alegadamente envolvido em negócios que provocaram as dívidas ocultas de Moçambique, que decorre num tribunal de Nova Iorque, adiou as deliberações para 2 de dezembro.
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O júri de 12 pessoas responsável pelo veredicto não conseguiu chegar, esta sexta-feira (22.11), a uma decisão unânime sobre a culpa ou inocência de Jean Boustani, acusado pelo Governo federal dos Estados Unidos da América de conspiração para cometer fraude em valores mobiliários, conspiração para cometer fraude de transferências e conspiração para cometer lavagem de dinheiro.
Os jurados voltam a reunir em 2 de dezembro, depois de uma semana de paragem para a celebração do Dia de Ação de Graças, o feriado de 28 de novembro nos Estados Unidos.
Ainda assim, poderá ser necessário mais tempo para os 12 jurados tomarem uma decisão unânime sobre as três acusações imputadas ao cidadão libanês, negociador da empresa de construção naval Privinvest.
O julgamento começou em 15 de outubro e já completou seis semanas de duração.
O processo
O caso refere-se a dívidas de cerca de dois mil milhões de euros que as empresas públicas moçambicanas Ematum, MAM e Proindicus assumiram no mercado internacional para pagar à fornecedora Privinvest, com garantias de devolução do ministério das Finanças de Moçambique, mas à revelia do Governo do país.
A última semana foi dominada pelos depoimentos do próprio arguido, que revelaram a profundidade das relações entre a empresa Privinvest, acusada de subornos a membros do Governo moçambicano e à família do antigo Presidente Armando Guebuza.
O júri ouviu, na quinta-feira (21.11), as considerações finais da equipa da acusação e da equipa da defesa.
Nesse dia, os procuradores dos Estados Unidos disseram que Jean Boustani deve ser considerado culpado em todas as acusações, sublinhando o facto de que se trata de conspirações para a qual basta um "entendimento mútuo" entre duas ou mais pessoas.
Neste caso, os procuradores consideram que os suspeitos de conspiração são de três grupos: da Privinvest (Jean Boustani, Iskandar Safa e Naji Allam), dos bancos que reuniram os empréstimos (Andrew Pearse, Detelina Subeva e Surjan Singh) e de Moçambique, o grupo mais largo, com seis pessoas.
O antigo ministro das Finanças Manuel Chang, o diretor dos Serviços Secretos moçambicanos, António Carlos do Rosário, e o "agente de negócios" Teófilo Nhangumele são também arguidos nos Estados Unidos da América.
Outros co-conspiradores, que não enfrentam acusações, são a antiga diretora do Tesouro Nacional Isaltina Lucas e Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente moçambicano.
Adriano Maleiane, atual ministro das Finanças de Moçambique, é também considerado um co-conspirador por "saber" dos empréstimos e "continuar a esconder ao Fundo Monetário Internacional (FMI)", mas não enfrenta uma acusação formal.
A equipa da acusação disse na quinta-feira que "Robin dos Bosques roubava aos ricos para dar aos pobres", mas Jean Boustani "roubava a uma das nações mais pobres do mundo para dar a si próprio e aos conspiradores".
Por outro lado, a defesa de Boustani disse que o arguido prestou todos os serviços e vendeu os equipamentos e que não cometeu nenhuma fraude.
Os advogados sublinharam numerosas vezes que "a corrupção deve ser assumida em Moçambique" e que os investidores internacionais foram "diretamente alertados" para os riscos de corrupção no país.
Os EUA avançaram com o processo para julgamento em dezembro do ano passado, por alegados prejuízos a investidores do país e pela passagem no território norte-americano de milhões de dólares de subornos a membros do Governo moçambicano, uma violação da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos Estados Unidos.
Jean Boustani está em prisão preventiva desde 2 de janeiro e em julgamento desde 15 de outubro.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)