Angolanos impedidos de discutir "Reconciliação sem Exclusão"
4 de abril de 2017
Ativistas angolanos foram impedidos de realizar um debate sobre a reconciliação nacional no dia em que o país comemora 15 anos de paz. Os jovens afirmam que a paz não se reflete na vida dos cidadãos.
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Cerca de 50 jovens foram impedidos de discutir a paz e a reconciliação em Angola, 15 anos depois dos acordos de paz entre o Governo angolano liderado pelo presidente José Eduardo dos Santos e a antiga força militar da UNITA.
José Gomes Hata, um dos organizadores do encontro, disse que o principal objetivo era celebrar o dia da paz de forma inclusiva. Daí que a organização do evento tenha convidado para participar no debate as igrejas, os partidos políticos, a Polícia Nacional, militares da Força Armada Angolana, a Associação 27 de Maio, jornalistas, ativistas, viúvas, antigos combatentes, meninos de rua, órfãos de guerra, feministas, pan-africanistas, homossexuais, zungueiras e músicos.
Segundo o ativista, a sociedade civil e outros partidos da oposição em Angola têm sido excluídos, nos anos anteriores, dos atos de celebração do dia 4 de abril. Neste dia, a comemoração da paz parece ser apenas uma vitória do MPLA, segundo as declarações de Hata à DW África.
Polícia não diz porquê impediu o debate
Os jovens mobilizaram várias pessoas para o encontro que deveria ter lugar no Largo das Escolas, em Luanda, mas a polícia não permitiu a realização do evento. De seguida, os organizadores dirigiram-se à Casa da Juventude, no município de Viana, onde também não lhes foi permitido realizar o debate "Reconciliação sem exclusão". A polícia não deu qualquer justificação aos organizadores.
"Acreditamos que, durante estes 15 anos de paz fictícia, tem sido apenas uma paz de calar de armas. Para mostrarmos que a sociedade é muito mais que os partidos políticos, decidimos realizar esta atividade. Mas, infelizmente, o regime voltou a não compreender a nossa ação e considerou isso um ato de rebeldia", explica José Gomes Hata. "Fomos proibidos de estar no Largo das Escolas e viemos para a Casa da Juventude, em Viana, onde também fomos impedidos de realizar a nossa atividade".
MPLA tornou-se "mais arrogante"
José Gomes Hata afirma, por outro lado, que o crescimento económico do país, várias vezes considerado como um dos 'ganhos da paz", não se reflete no desenvolvimento do angolano.
"Esta vitória militar que o MPLA conseguiu, tornou-o mais arrogante. Sabendo que conquistou a paz pela força das armas, o MPLA acha que tem o direito de oprimir, saquear, assassinar, num país que é de todos nós. Esta paz tem sido exclusiva e não inclusiva.Também a construção de estradas, pontes e habitações tem sido considerada pelo Governo de Angola como os benefícios da paz. Mas, para o ativista Arante Kivuvu, com os 15 anos de paz no país, os angolanos continuam na miséria.
"Estes 15 anos de paz refletem mais a miséria e a degradação do povo angolano. 15 anos de paz, mas o povo continua a viver num sofrimento".
Só existe o calar das armas
No entender de Arante Kivuvu, em Angola não há paz e muito menos a reconciliação nacional. Para o ativista, o que existe no país é somente o calar das armas. E Kivuvu fala na entrevista concedida à DW África sobre as perseguições de que são alvo os críticos do Governo.
"Num país onde há reconciliação, não matam um menino de 14 anos como o Rufino. Em pleno tempo de paz, não matariam o Ganga. A paz e a reconciliação nacional devem ser um bem comum. Agora, reconciliação nacional com perseguições, exclusão e detenções não se justifica", considera o ativista.Entretanto, na província de Benguela, o debate sobre a "Reconciliação sem exclusão" realizou-se esta terça-feira, sem qualquer tipo de impedimento.
04.04.2017 Ativistas impedidos de debater reconciliação - MP3-Mono
Arante Kivuvu diz não entender porque é que as autoridades permitem que outras organizações realizem atos de protesto ao contrário de outras organizações, de cariz político. O ativista refere-se à marcha sobre a despenalização do aborto, que contou com o apoio da polícia de Luanda.
"Se no dia 18 de março as autoridades deixaram as mulheres patentearem o seu descontentamento sobre a lei do aborto, porque é que não nos deixam comemorar o dia da paz e da reconciliação?" questiona Arante Kivuvu.
Dez anos de paz em Angola
No dia 4 de Abril de a 2002 foi assinado o acordo de paz entre o governo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola - e a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola - , as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Dez anos depois, o que como está o país em termos de democracia, desenvolvimento humano, económico e social?
Foto: AP
À terceira foi de vez
A 4 de abril de 2002, o chefe das forças armadas do governo do MPLA, General Armando da Cruz Neto (esq.), e o chefe do estado-maior da UNITA, General Abreu Muengo Ukwachitembo Kamorteiro, trocam o acordo de paz assinado na Assembleia Nacional, em Luanda. Foi o terceiro acordo entre estas duas frações da guerra civil em Angola depois de Bicesse (Portugal) em 1991 e Lusaka (Zâmbia) em 1994.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Como tudo começou
A guerra começou com a luta contra o poder colonial. Em 1961 vários grupos lutaram contra os portugueses. O MPLA, apoiado pela ex-União Soviética e por Cuba foi um desses grupos, assim como a UNITA que, inicialmente, teve o apoio da China, e a FNLA que teve o apoio de Mobuto Sese Seko, na altura presidente do então Zaire. Na foto: soldados portugueses em Angola no ano de 1961.
Foto: AP
Guerra entre iguais
Após a saída dos portugueses e a independência formal, a 11 de novembro de 1975, os três movimentos de libertação MPLA, UNITA e FNLA entraram em conflito. O MPLA de orientação marxista contou com apoio soviético e cubano. A UNITA recebeu apoio dos Estados Unidos da América e de tropas sul-africanas.
Foto: picture-alliance/dpa
Refugiados de guerra
Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Na fotografia: refugiados angolanos num acampamento próximo do Huambo no ano de 1999.
Foto: picture-alliance / dpa
Retirada dos soldados cubanos
O general cubano Samuel Rodiles, o general brasileiro Péricles Ferreira Gomes, chefe de um grupo de observadores da ONU e o general angolano Ciel Conceição, a 10 de janeiro de 1989 (da esq. a dt.). Dia em que os primeiros três mil soldados cubanos sairam do país. A retirada foi fixada num acordo assinado em 1988, entre a África do Sul, Cuba e Angola. Cuba orientava o MPLA militarmente desde 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Apoio da ex-República Democrática da Alemanha ao governo do MPLA
O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, visitou no dia 14 de outubro de 1981 o Muro de Berlim do lado da Alemanha Oriental (RDA). Na Porta de Brandemburgo, recebeu as saudações das tropas de fronteira da República Democrática da Alemanha do Tenente-General Karl-Heinz Drews.
Foto: Bundesarchiv
Primeira tentativa falhada em 1991 e 1992
Depois do acordo de paz de Bicesse (Estoril, Portugal) de 1991, realizaram-se as primeiras eleições presidências do país em 1992. O candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, saiu vencedor, mas sem maioria absoluta na primeira volta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, não aceitou o resultado e nunca chegou a haver uma segunda volta das eleições. A guerra continuou.
Foto: dapd
Segunda tentativa falhada em 1994
Depois do acordo falhado de Bicesse (Portugal) de 1991, houve uma segunda tentativa em Lusaka, na Zâmbia, no ano de 1994. O presidente da Zâmbia, Frederick Chiluba (centro), levanta as mãos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos (esq.), e do chefe do movimento de guerrilha UNITA, Jonas Savimbi. Eles celebram o protocolo de Lusaka, mas o país acabou por entrar novamente em guerra.
Foto: picture-alliance/dpa
A morte de Jonas Savimbi
Fevereiro de 2002: Jonas Savimbi, o líder da UNITA, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola. Com a morte da pessoa, que era considerada a mais carismática da oposição em Angola, abriu-se uma nova oportunidade para a paz.
Foto: AP
Paz sem satisfação
Desde 2011 jovens saem às ruas, um pouco por todo o país, para protestar contra os 32 anos de governo do MPLA. Exigem eleições livres e transparentes e o fim do governo de José Eduardo dos Santos. Na imagem: manifestantes em Benguela.
Foto: DW
Petróleo e pobreza
Após 10 anos de paz, petróleo e pobreza abundam no país. De acordo com as Nações Unidas, o petróleo representa 96% das exportações do país. No entanto, de acordo com o Banco Mundial, em 2010, uma em seis crianças morria nos primeiros cinco anos de vida e grande parte da população angolana continua a viver na pobreza. (Autora: Carla Fernandes; Edição: Johannes Beck)