Decretado "fim da independência das ONG" em Angola?
17 de abril de 2015O Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, aprovou uma lei que proíbe as organizações não-governamentais (ONG) de defenderem princípios diferentes daqueles que são defendidos por ele próprio.
O decreto presidencial de 23 de Março, que regula a inscrição e a atividade das ONG no país, proíbe as organizações de receberem doações sem o consentimento do Governo. As ONG passam a só poder operar no país mediante autorização governamental através do Ministério das Relações Exteriores.
Segundo o Executivo, as novas regras pretendem "ajustar o quadro jurídico" das ONG nacionais e internacionais "ao atual panorama de desenvolvimento económico, social e jurídico-constitucional" do país. Outro dos objetivos é "prevenir o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo", lê-se ainda no decreto.
O assunto está a levantar diversas críticas contra o regime angolano a quem é acusado de pretender acabar com a sociedade civil e de pretender implantar em Angola um regime de partido único.
Para que a medida do presidente angolano não venha a vigorar caberá ao Tribunal Constitucional declarar a sua inconstitucionalidade através de recursos interpostos por cidadãos, partidos políticos ou as próprias ONG.
"Fim da independência"
Para muitos, este decreto presidencial de José Eduardo dos Santos constitui um grave atentado à liberdade de associação, de expressão e demais direitos fundamentais.
O jornalista e historiador Makuta Nkondo não tem dúvidas que o Presidente angolano veio decretar "o fim da independência das ONG", particularmente aquelas que estão fora do controlo do regime.
"Isto é exatamente para anular a importância de uma ONG ou de uma sociedade civil. Para José Eduardo dos Santos e para o MPLA (no poder), ONG são aquelas organizações do MPLA, como o Movimento Nacional Espontâneo e a Fundação Eduardo dos Santos (FESA)", afirma.
Quem também se opõe ao decreto presidencial é o coordenador do Observatório Politico e Social de Angola (OPSA), Fernando Pacheco. O ativista cívico considera que o referido decreto vem ao encontro de outras políticas do Governo angolano em restringir a ação das ONG independentes. "Algumas organizações não têm vindo a merecer da parte do Executivo a mesma atenção que outras que, em princípio, estarão mais ligadas às políticas desenvolvidas pelo Executivo", explica.
João Misselo da Silva, da Organização Humanitária Internacional (OHI), considera que o decreto-lei promulgado pelo Presidente de Angola poderá agravar ainda mais a já débil democraticidade. "Em Angola, onde a democracia é tão fraca, não existe uma participação qualitativa por parte dos cidadãos. E este decreto vem, mais uma vez, criar barreiras ao processo democrático em Angola", alerta.
Regime de partido único
O deputado Abílio Kamalata Numa, antigo secretário-geral da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), entende que este é mais um sinal inequívoco de que José Eduardo dos Santos tem vindo a tomar passos significativos para o regresso e institucionalização do regime de partido único em Angola.
"Este decreto não passa de mais uma peça que está ser montada em volta deste projeto para acabar com a democratização de Angola. Isso já começou há muito tempo".
Questionado sobre quais os passos que deverão ser dados no sentido de se pressionar o regime angolano a recuar na nova lei das associações, o antigo secretário-geral do partido do Galo Negro, o maior partido da oposição angolana, diz que o país precisa de uma "oposição efetiva" e de uma "sociedade civil mais dinâmica, renovada e com outras ideias para fazer oposição ao regime".
"Não vejo outra saída. Caso contrário, vamos acabar por desaparecer todos, como está a desaparecer a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a comunicação social", avisa Abílio Kamalata Numa.
A DW África tentou, sem sucesso, ouvir Virgílio de Fontes Pereira, líder da bancada parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder.