Defensores dos direitos humanos vulneráveis em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
9 de dezembro de 2019
Organizações dizem que a situação dos direitos humanos em Moçambique não é boa. Por isso, querem uma lei específica nacional para proteger os defensores dos direitos humanos.
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Várias organizações alertaram esta segunda-feira (09.12) que os defensores dos direitos humanos são um grupo vulnerável em Moçambique e que continua a faltar uma lei que os proteja.
"A situação não é boa, ainda precisamos de melhorar muito", afirmou o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, Luís Bitone, durante uma mesa redonda em Maputo para assinalar o dia internacional dos defensores dos direitos humanos.
Para Bitone, o Estado moçambicano está a caminhar a duas velocidades: enquanto, por um lado, adotou legislação diversa e criou organismos ligados à promoção dos direitos humanos, por outro, há ainda um fosso muito grande entre o compromisso e a prática.
"Nós não temos um mecanismo próprio nacional para defender os defensores dos direitos humanos. Temos testemunhado quase sempre agressões e limitações às pessoas defensoras dos direitos humanos, mortes, jornalistas que são perseguidos", afirmou.
A Comissão Nacional dos Direitos Humanos recebeu só no último ano 15 denúncias, mas, segundo Bitone, a sua atuação foi limitada porque existe um vazio em termos de legislação.
"Limitação da atuação"
Ricardo Moresse, presidente da Comissão de Direitos Humanos na Ordem dos Advogados de Moçambique, também lamenta que ainda não haja uma lei específica para proteger estas pessoas: "Não raras vezes encontramo-nos em situações em que queremos fazer o nosso trabalho, mas a questão é quem defende a minha posição, quem defende a minha situação."
Por isso, de acordo com Moresse, "é preciso criar um instrumento vinculativo, de tal forma que cada pessoa que trabalha em prol da defesa dos direitos humanos se sinta segura quando for ao terreno fazer o seu trabalho."
O diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento, Adriano Nuvunga, está preocupado com a situação dos defensores dos direitos humanos no país. O responsável avisa para um "recrudescimento do ambiente de intimidação e ameaça" e para uma tendência de "fechamento do espaço democrático em Moçambique".
"Há ainda a indicação de que o Estado tende a ser utilizado por alguns setores do poder para a limitação da atuação dos ativistas", acrescenta.
"Censura" e auto-censura
No início do ano, a detenção do jornalista Amade Abubacar, que estava a investigar os ataques na província de Cabo Delgado, foi bastante criticada por organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, que acusaram o Estado de "censura".
Lázaro Mabunda, da Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA) em Moçambique, afirma que, para além das situações de ameaças, intimidações e detenções de jornalistas, muitos destes profissionais "tendem a ter medo de abordar assuntos cada vez mais complicados".
"E isto preocupa-nos porque, se nós queremos promover a transparência de atos públicos, temos de ter jornalistas que não tenham esse receio de se pronunciar livremente", diz Mabunda.
Durante a mesa redonda desta segunda-feira foram também feitas referências às dificuldades que está a enfrentar, para a sua legalização, a Associação LAMBDA, uma organização de cidadãos moçambicanos que advogam pelo reconhecimento dos Direitos Humanos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.