Filipe Nyusi está a ser alvo de chacota e críticas por causa da entrevista que deu à RTP em Portugal, que evidenciou fragilidades comunicativas. Mas também há quem seja contra o apontar de dedos e apresente argumentos.
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Parte da entrevista que o Presidente de Moçambique concedeu a emissora pública portuguesa nesta quinta-feira (04.07.) está a ser avaliada como desastrosa em termos de linguagem: dificuldades na construção frásica de composições simples, linguagem pouco cuidada, expressão facial, etc.
O que terá determinado estas fragilidades, algum distúrbio de fala, nervosismo ou deficiente assessoria?
"É uma revelação muito óbvia da maneira como tratamos a comunicação política, que muitas vezes se demarca pela preservação das lideranças e muitas vezes pelo não confronto das ideias. Muitas vezes o Presidente aparece com discursos diretos e não de confronto como é feito nas entrevistas e isso não lhe permite um ensaio perfeito para lidar com espaços de debate. E era natural que numa situação dessas, em que o Presidente é confrontado com questões caóticas ter esse susto e que não conseguiu, em minha análise, retê-lo", opina o docente e especialista em comunicação, Ernesto Nhanale.
O especialista não vê com bons olhos a deficiência do "empregado do povo": "Penso que é uma prova negativa, se consideramos que um preparo sob o ponto de vista comunicacional é importante para um político, porque trabalha com a comunicação, este é um instrumento fundamental da política. E sendo Presidente da República esperamos que ele aperfeiçoe a técnica de comunicação por forma a fazer passar a sua mensagem."
Comunicação expontâneo e fragilidades de comunicação
Embora seja considerado um comunicador espontâneo, frontal e com discurso próximo das massas, em quase cinco anos de Presidência Filipe Nyusi também habituou o público a uma fragilidade comunicacional, mas nunca tinha atingido este expoente.
Convidado a avaliar a entrevista que concedeu em Portugal, o analista Vicente Manjate lembra que "o português não é língua materna [da maioria], os nossos pais não nasceram e nem cresceram a falar português. E ele, eventualmente por ter nascido em Cabo Delgado, deve ter socializado numa língua local e estudou fora e pode ter aprendido a falar uma outra língua."
E sai em salvação do Presidente: "Nós temos estado a ser expostos a língua portuguesa em ambientes de trabalho e é difícil termos as construções frásicas puramente em português. Então, não é algo para se satirizar ou martirizar o Presidente, está a criar-se uma sátira por isso, mas é a nossa realidade."
Entretanto, este questionamento não tem o intuito de "elitizar" a língua portuguesa, através da promoção da discriminação, e nem de o distanciar negativamente dos padrões discursivos impostos.
Filpe Nyusi em Portugal: Uma entrevista desastrosa?
Elitismo vs clareza do discurso
O objetivo é questionar apenas a falta de clareza no seu discurso. É que mesmo em termos de conteúdo Filipe Nyusi também não terá sido bem sucedido. Numa clara tentativa de se defender quando questionado sobre assuntos polémicos do seu país, pautou-se por uma postura muito além de contundente, que roçava a agressividade.
Vicente Manjate tem uma justificação: "Acho que lhe fizeram perguntas embaraçosas, que em certa medida, em termos éticos, deveriam ter sido feitas de forma diferente. Sendo Presidente da República penso que ficou embaraçado com as perguntas que lhe forma colocadas."
De qualquer modo, a postura do Presidente deixa subjacente a ideia de uma insatisfação em relação a uma "mão externa" e a imprensa, neste caso internacional, que estaria a servir a esses interesses "obscuros". Motivos, como líder de uma nação, há-de ter...
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.