Eleições em Moçambique: Deficientes físicos terão prioridade
Sitoi Lutxeque (Nampula)
13 de setembro de 2019
Deficientes costumam enfrentar dificuldades para aceder às mesas de voto nas eleições. Neste ano, a CNE garante que o problema será resolvido, com melhorias no treinamento dos membros do processo eleitoral.
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Albinos em Nampula sentem-se constantemente excluídos dos processos de votação. Não há estratégias claras para atender às suas necessidades.
Diamantino António, membro da "Associação Amor à Vida”, uma organização não-governamental que defende os direitos dos albinos em Moçambique, diz que há quem não tenha votado em Nampula nas eleições autárquicas do ano passado, fugindo do sol escaldante. Ele receia que, este ano, a situação se repita, caso as políticas dos órgãos eleitorais prevaleçam.
"A gente fica na bicha mesmo com o sol. O sol nos faz mal, não podemos ficar expostos. Gostaria que o governo desse oportunidade às pessoas albinas. [Não] só aos albinos, mas todos os deficientes visuais e físicos”, disse.
Deficientes visuais
A situação não só preocupa as pessoas com falta de pigmentação na pele, mas também os cegos. Periha Amade, secretário-executivo da "Associação dos Cegos e Amblíopes de Moçambique” (ACAMO), em Nampula, lamenta as situações que já viveram nas mesas das assembleias de voto. Segundo ele, muitos dos seus pares desistem de votar, violando, assim, um direito consagrado na Constituição.
"Nós, como pessoas com deficiência visual, temos tido algumas dificuldades que partem na dependência, porque, para irmos ao local [de votação], precisamos dum guia. Neste contexto, quando [a] gente se dirige ao local, nalguns sítios, os nossos colegas deparam-se com dificuldades da sua recepção. Nós sabemos que existem pessoas envolvidas naquele processo que poderiam receber pessoas [com deficiência]. Mas acontece que, nalgum momento, talvez pela impaciência, ficamos muito tempo sem ser atendidos”, disse.
Para Periha Amade, um outro problema que dificulta os cegos e amblíopes nos dias de votação é a acessibilidade em alguns locais [de votação]. "Nós constatamos que, no passado, foram usados locais de difícil acesso para nós, pessoas com deficiência visual'', lamenta.
Soluções
Por seu turno, a Comissão Nacional de Eleições (CNE), através do seu porta-voz Paulo Cuinica, reconhece o problema, mas garante que este ano será diferente, com a formação dos membros de mesa em matéria específica.
‘‘Estamos a procurar soluções possíveis para ver essa situação ultrapassada, já a partir da formação dos membros da mesa de votação'', disse.Segundo a ACAMO e associação dos albinos, muitos deficientes visuais não votaram no ano passado. Paulo Cuinica assume que houve violação da lei por parte dos órgãos eleitorais.
Deficientes físicos em Moçambique terão prioridade nas próximas eleições
‘‘A lei prevê que os deficientes tenham prioridade na votação, portanto onde encontramos essa situação [falta de prioridade] há uma violação. Mas, neste ano, vamos incluir um módulo [na formação dos membros das assembleias de voto] para lidar com a questão da deficiência. Não são só os cegos e amblíopes, mas todos os deficientes auditivos, portadores de albinismo que; por causa da sua condição; não podem ficar expostos ao sol. Então, estamos a lidar com essas situações'', disse.
De acordo com a CNE, nestas eleições, haverá 20.162 mesas de votação no país e 408 no estrangeiro.
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.